Gestor de Recursos: Como evoluir na jornada ESG?

O compromisso com os fatores ESG veio para ficar, com uma necessidade de equilibrar o impacto dos investimentos socialmente conscientes com a maximização dos retornos. Nos últimos anos, o interesse e as demandas de nossos clientes sobre o tema têm aumentado consideravelmente, e parece sinalizar que o investimento sustentável deixa de ser simplesmente um nicho de mercado e passa a ser uma prática que permeia as mais diversas estratégias de investimento.

À medida que ocorre a transição de patrimônio entre gerações, tal necessidade tem se dissipado cada vez mais no mercado de capitais. Seus participantes têm sido pressionados a assumir uma maior responsabilidade socioambiental em suas abordagens institucionais e de investimento, sendo comumente considerados precursores ou líderes da transformação verde.

Mais importante, não apenas a indústria de gestão de recursos está sob pressão crescente para adotar o ESG em suas estratégias e produtos, mas também se espera que a própria gestora pratique o que prega. Os critérios ESG adotados para as empresas e investimentos de um portfólio devem ser consistentes com a gestão corporativa adotada internamente.

É neste cenário que surgem duas perspectivas distintas quando se considera a adoção de práticas ESG. Muito se tem discutido a respeito da implementação de estratégias ESG para negócios, produtos e serviços oferecidos ao mercado, o que ganha especial importância considerando que os gestores de recursos são os principais responsáveis pelas teses de investimento e estruturação de produtos. Nesse contexto, a lente ESG pode ser mais que uma ferramenta de gerenciamento de risco, mas sim um meio para alcançar resultados benéficos, rentáveis e, adicionalmente, não financeiros.

No entanto, não se pode deixar de considerar as estratégias ESG institucionais e internas, isto é, o “olhar para dentro”. A gestora que desenvolve uma estratégia ESG com relação ao seu portfolio de investimentos, deve também estar aberta para o compartilhamento de suas práticas internas de sustentabilidade. Este tema será tratado mais adiante.

Neste primeiro informativo, apresentaremos ambos os pontos de vista de forma abrangente, com o objetivo de traçar um norte para os gestores que desejam evoluir a respeito do tema. No informativo seguinte, que será publicado na próxima quinta-feira, abordaremos o cenário atual da regulamentação e autorregulação, bem como suas perspectivas de desenvolvimento, em especial considerando a inclusão da temática dos fundos socioambientais na nova norma de fundos de investimento (Res. CVM 175/22).

 

Greenwashing

O ESG vem travando batalhas em várias frentes. De uma aparente falta de padronização levando os investidores a questionar o que é e não é um investimento ESG, para proeminentes escândalos de greenwashing, gestores enfrentam desafios para provar que continuam entre as as principais partes interessadas na entrega de um futuro mais sustentável.

Resumidamente, a prática do greenwashing por uma entidade é a realização de declarações ou divulgação de informações equivocadas, inverídicas ou enviesadas sobre suas credenciais socioambientais. Embora o greenwashing possa não ser intencional, mas apenas resultado da falta de conhecimento, muitas vezes é intencionalmente realizado por meio de amplos esforços de marketing.

O escrutínio sobre os gestores de recursos nunca esteve tão alto. Conforme investidores e stakeholders passam a conhecer melhor sobre o tema, o ESG torna-se menos útil como um rótulo genérico. Se o posicionamento de um gestor de ativos não for respaldado por ações concretas vinculadas a avanços ESG que sejam efetivamente mensuráveis, os investidores e stakeholders cedo ou tarde saberão diferenciar a “moda” do comprometimento genuíno com ideiais de sustentabilidade.

Como resultado, podemos ver alguns gestores diminuindo, inclusive, seus esforços de comunicação na tentativa de evitar se envolver em narrativas negativas (minimizando assim o dano potencial do escrutínio negativo). Mas generalizar dessa forma descredita o trabalho positivo que vem sendo feito por muitos gestores e prejudica ainda mais as medidas tomadas para apoiar uma transição à economia sustentável. De fato, deve-se esperar que um resultado positivo disso seja uma maior atenção dada ao impacto e uma compreensão mais coletiva do que significa gerenciar o risco ESG em um portfólio.

Investidores e demais stakeholders estão desenvolvendo habilidades para saber se uma estratégia de investimento é genuinamente ESG. Os reguladores também estão atentos, muitas vezes supervisionando o mercado para determinar se os fundos que pregam sustentabilidade estão cumprindo seu papel. É por isso que os gestores de ativos com ambições ESG precisam ser cuidadosos desde o início. Isso requer definir o que o ESG significa dentro de uma organização e os temas-chave que perseguirão.

 

Objetivos

Quando tratamos de estratégias de investimento, o engajamento ESG requer, de início, uma primeira grande definição: quais são os objetivos da gestora? Os gestores de recursos precisam identificar suas prioridades. Essa tarefa não costuma ser fácil com tantas áreas diferentes carentes de regeneração e desenvolvimento, tais como a biodiversidade, inclusão e fomento social, saúde, economia circular, energia renovável, entre outros.

Mesmo dentro de um único setor, empresas terão perfis ESG diferentes, dependendo de seu posicionamento no mercado. É essencial que o diálogo entre a alta administração, colaboradores, stakeholders e investidores seja aberto, para entender quais são as expectativas de cada grupo com relação à estratégia ESG a ser definida.

É difícil saber em quais temas focar ou saber quais tópicos já estão supersaturados e quais oferecem um objetivo real. Além disso, muitos temas são de rápida evolução, não havendo um consenso claro na indústria.

A análise de materialidade pode auxiliar os gestores a identificar problemas e oportunidades de maior impacto. O foco nas questões mais importantes permitirá ao gestor alinhar seus objetivos de ESG com sua estratégia e expectativa de seus investidores.

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, embora não tenham sido concebidos especificamente com os gestores e investidores em mente, podem ser uma interessante fonte de inspiração para definição de prioridades. Os ODS estabelecem ambições e metas para o desenvolvimento econômico, inclusão social e pós-desenvolvimento ambiental e fornece uma linguagem comum para governos, empresas, investidores e sociedade civil.

Em qualquer contexto, o ponto de partida deve ser o estabelecimento de objetivos realistas, que possam ser concretizados e construídos ao longo do percurso.

 

Abordagem

Não existe uma abordagem única para o investimento sustentável dada a diversidade da indústria. Gestores globais e locais estão respondendo de forma proporcional ao seu tamanho, natureza, apetite de risco e metas de impacto. A própria organização deverá percorrer as definições, estruturas, padrões e metodologias para delinear sua estratégia ESG.

A criação de um comitê específico, por exemplo, pode ser uma primeira iniciativa de fácil implementação e pode criar incentivo e engajamento com a temática, oferecendo uma forma efetiva de garantir que o ESG seja considerado tanto na gestão corporativa quanto na gestão dos portfólios, e criando uma iniciativa de foco e ação para o futuro.

Uma das principais prioridades deve ser a qualidade e confiabilidade das informações que suportaram uma decisão de seleção de fatores ESG. As fontes de informações ESG podem variar conforme as ferramentas utilizadas, incluindo reportes de companhias, research de terceiros ou próprio, questionários e entrevistas nas companhias alvo, watch lists, scoreboards, red flags, entre outros.

Alocadores de recursos passaram a integrar fatores e expectativas ESG na própria seleção dos gestores alocados, em vez de focarem em valores mobiliários e emissores em si, criando um pool restrito de prestadores de serviços. A avaliação de tais alocadores pode incluir, por exemplo, a existência de uma política consistente de ESG, afiliação a iniciativas internacionais (tais como os Princípios de Investimento Responsável (PRI), alianças Net Zero, Sistema-B), a forma e grau de integração ESG no processo de investimento, atividades de stewardship, capacidade de reporte, entre outros.

A alocação de ativos representa a decisão mais importante e que terá amplas implicações dependendo da exposição a classes de ativos e tipos de estratégias de investimento. A alocação estratégica de ativos considerando aspectos ESG pode serum grande diferencial nos retornos de investimento ao longo do tempo. A consideração de fatores ESG pode ser realizada tanto no nível do ativo específico (com ferramentas como filtros positivo ou negativo, best-in-class, investimento temático, integração) quanto no processo de alocação de portfólio como um todo, com foco nos riscos correlativos da combinação de ativos e estratégias. Diferentes abordagens podem trazer diferentes implicações.

 

Liderança

A liderança é indispensável para converter ideais em metas tangíveis. A jornada ESG deve se iniciar no nível executivo e do conselho, que têm o poder de definir a mudança de mentalidade e alinhamento entre os objetivos ESG e objetivos mais amplos da gestora. É indispensável para os gestores promover a responsabilidade nos níveis organizacionais mais altos (accountability) para garantir a integridade da abordagem e evitar o greenwashing. O comprometimento da liderança é o que legitima iniciativas sustentáveis e permite a alocação dos recursos necessários para uma abordagem eficaz.

 

Mensagem e Reporte

À medida que as expectativas em torno da qualidade da gestão ESG continuam a crescer, também aumenta a necessidade de divulgação adequada.

Os relatórios sobre as práticas de gestão devem refletir e evidenciar claramente como os esforços estão gerando impactos positivos, definir cronogramas e expectativas para os compromissos assumidos, e estratégias planejadas para compromissos com ESG que se demonstrem infrutíferos.

O engajamento que carece de objetivos, cronogramas e consequências devidamente definidos geralmente falham em trazer mudança.

Um grande desafio é a falta de foco em como relatar dados ESG e o processo de criação e execução de uma estratégia ESG proativa. Isso inclui como os relatórios ESG são construídos e como são integrados entre os diferentes ramos de negócios contidos na estratégia de investimento. Uma das maiores preocupações recai sobre a qualidade e credibilidade das informações fornecidas em relatórios, os quais devem conter medidas robustas de verificação e transparência. No entanto, limitações de dados e relatórios não padronizados constituem grandes desafios para os gestores de investimentos.

Assim como as auditorias de demonstrações financeiras, a validação de terceiros pode aumentar a confiabilidade das informações ESG e gerar confiança entre os stakeholders.

 

Treinamento

Gestores precisam responder rapidamente a crises sistêmicas complexas, como o COVID-19 e mudanças climáticas, que podem gerar impactos expressivos para um portfolio de investimentos, portanto, treinamentos frequentes podem ser de suma importância para que o time esteja preparado para responder adequadamente a tais tópicos, alavancar seus conhecimentos e manter-se atualizados com as rápidas mudanças.

Apenas a título de exemplo, podemos citar o aumento dos riscos físicos e riscos de transição relativos à mudança climática que impactam fortemente a indústria de seguros e resseguros, com a recorrência cada vez maior de inundações, secas e desastres climáticos. Riscos físicos como esses podem ter um significante efeito macroeconômico.

Da mesma forma, a transição para uma economia de baixo carbono também trará trade-offs importantes para todas as indústrias. Alguns setores da economia se depararão com grandes mudanças em termos de valor de seus ativos e maiores custos de operação. Tomando-se como exemplo a avaliação de companhias atuantes na indústria de petróleo, não se pode deixar de levar em consideração a tendência de regulação mais restritiva, a imposição de taxas relacionadas à emissão de gases de efeito estufa, a eventual perda de subsídios governamentais e a crescente demanda de consumidores por produtos e serviços de baixo carbono.

A análise dos impactos ambientais deveria levar em consideração, inclusive, seu efeito em toda cadeia de valor da empresa (como a cadeia de suprimentos, operação e ativos, logística e mercado), que certamente afetarão sua performance financeira.

Os porfolios provavelmente serão mais resilientes diante de choques e dificuldades inesperados se forem geridos com a mentalidade de longo prazo e em linha com as megatendências da sociedade, como inclusão e mudança climática.

Os gestores devem, portanto, estar preparados para avaliar efeitos indiretos e de longo prazo, não necessariamente relacionados à materialidade financeira de uma companhia ou setor.

 

Estratégias ESG institucionais e internas

Conforme colocado anteriormente, os critérios ESG adotados para as empresas e investimentos de um portfólio devem ser consistentes com a gestão corporativa adotada internamente. A percepção de um gestor por seus stakeholders é composta por vários aspectos e pode ser influenciada por diversos fatores, tais como ética, integridade, proteção de dados, satisfação dos funcionários, responsabilidade social e sustentabilidade.

Quando tratamos do olhar ESG interno, voltado para a própria gestora, é importante realizar um mapeamento a respeito do status quo, a fim de definir as prioridades a serem atacadas. O Gestor que não tiver visibilidade dos processos, políticas e ações tanto próprias quanto de terceiros contratados provavelmente não terá capacidade de identificar e mitigar com sucesso os riscos ESG que enfrentam.

Inclusive, com a tendência de alocadores de recursos criarem um pool mais restrito de prestadores de serviços, conforme já mencionado, serão poucos aqueles alocadores que não avaliarão, em paralelo a uma política consistente de ESG com relação à estratégia de investimento, as próprias práticas internas de gestão.

Participantes do mercado, quer sejam alocadores, prestadores de serviços ou demais stakeholders, tem, cada vez mais, valorizado e se preocupado em considerar imagem e reputação das entidades com as quais fazem negócio. Na era digital, a imagem e reputação de uma empresa podem ser rapidamente abaladas ou até destruídas. Há diversos casos de empresas que tiveram sua credibilidade devastada em razão de descuidos quanto a questões importantes, tais como corrupção, degradação do meio ambiente ou mesmo o greenwashing.

Novamente, a liderança exerce papel fundamental para criar uma cultura ESG, a começar pela ética e compliance, desde o topo e envolvendo toda a organização. Essa cultura deve ser construída e constantemente monitorada e remodelada conforme políticas internas, procedimentos e verificações periódicas.

Um dos fatores de materialidade mais expressiva nos negócios de uma gestora é o desenvolvimento de seu capital humano, afinal, o principal ativo de uma gestora são seus colaboradores. Nesse quesito, é importante assegurar que a cultura interna promova um ambiente positivo e produtivo, que a força de trabalho esteja bem preparada para suas atribuições e responsabilidades e esteja motivada.

Este viés pode se materializar de diversas formas, tais como (i) o desenvolvimento de programas de contratação levando em consideração as diversidades, o impulsionamento de medidas de inclusão e garantia de equidade; (ii) o estabelecimento de programas de desenvolvimento pessoal e profissional, retenção de talentos, plano de carreira, remuneração pautada em critérios previamente conhecidos e processos contínuos de avaliação; e (iii) transparência na governança.

Ainda, o atrelamento da performance a temas de sustentabilidade a incentivos financeiros pode ser uma ferramenta legítima e relevante, mediante a incorporação de critérios de desempenho de investimento responsável nas estruturas de remuneração dos executivos. Muitos gestores exigem de empresas investidas o alinhamento de incentivos financeiros com objetivos de sustentabilidade e devem garantir que o que esperam das companhias investidas seja refletido também em suas próprias estruturas de governança.

A mesma reflexão acima, explorada para fins de implementação de práticas ESG no processo de investimento, vale também para o olhar interno. Os custos de se manter inerte podem ser potencialmente altos, tanto financeira quanto reputacionalmente. O gestor que atue com forte governança interna, e com práticas corporativas sustentáveis, incorporando em seu DNA o que prega para fins de seu portfolio, certamente possuirá maior capacidade de se diferenciar, expandir seus negócios e enfrentar, com maior sucesso, qualquer eventual crise.

 

Conclusão

Por fim, importante sempre ter em mente que o ESG não é um destino em si, mas uma construção de longo prazo. A credibilidade e a autenticidade ESG exigem que os gestores repensem seu propósito tanto como indivíduos quanto como organizações, o que os permitirá explorar como seus investimentos podem ter uma influência genuína e positiva na sociedade e no planeta.

Onde quer que o gestor esteja em sua jornada, temos aqui no Cepeda Advogados um time de profissionais extremamente capacitados para acompanhá-lo nessa trajetória, tanto na definição de estratégicas para evolução na temática sob a ótica institucional e interna, quanto na identificação e avaliação de oportunidades e necessidades de adequação relativas aos seus produtos, serviços e ambiente de negócios. Estamos em nossa própria jornada ESG e estamos prontos para compartilhar nossos insights para ajudá-lo neste caminho.

Nossa equipe encontra-se à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente aos assuntos aqui tratados.

No dia 23/03, publicaremos novo informativo tratando das iniciativas da regulamentação e autorregulação sobre ESG, e na sequência, em 26/04, acompanhe nossa live a respeito do tema com a participação especial de Tatiana Itikawa, Superintendente de Representação de Mercados da ANBIMA.

 

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.

 

 

Investimentos Sustentáveis e Práticas ESG
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