Novo Marco Regulatório para a atividade de Assessor de Investimento

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, no último dia 14 de fevereiro, as tão aguardadas Resoluções CVM 178 e 179 que passarão a disciplinar a atividade dos assessores de investimento (“Assessores de Investimento” ou “AI”), anteriormente referidos como agentes autônomos de investimento ou AAIs, e as práticas remuneratórias da atividade de intermediação de valores mobiliários, respectivamente.

Ambas as normas são fruto (i) da Audiência Pública SDM nº 3/19, que consistiu em uma consulta de natureza conceitual sobre opções regulatórias e impacto regulatório quanto à exclusividade da atuação dos AI, e, mais recentemente, (ii) do Edital de Audiência Pública SDM nº 05/21 (“EAP 05/21”), que propôs efetivamente as minutas que visavam atualizar o arcabouço regulatório de tal atividade.

A seguir, destacamos os principais aspectos das Resoluções CVM 178 e 179 que, em nossa leitura, impactarão os AI e intermediários.

1. Aspectos Regulatórios da Resolução CVM 178

A Resolução CVM 178 representa o novo marco regulatório para as atividades dos AI, revogando a Resolução CVM 16, de 09 de fevereiro de 2021 (“Resolução CVM 16”) e propondo mudanças relevantes na própria organização interna dos AI, na relação destes com os intermediários, no regime de transparência da remuneração com o investidor, dentre outras que detalhamos a seguir.

  • Uso da Expressão “Assessor de Investimento”

A Resolução CVM 178 passa a usar a expressão Assessor de Investimento ao invés de Agente Autônomo de Investimento, tal qual introduzido pela Lei n° 14.317/22.

Nesse sentido, as sociedades de AI deverão adaptar as suas denominações sociais e nomes fantasia para prever a expressão “Assessor de Investimento” ou “AI”, o que poderá ser realizado por ocasião da próxima alteração que vierem a realizar em seu contrato social ou documento equivalente.

  • Fim da Exclusividade

Um dos aspectos mais aclamados da nova regulamentação é o fim da relação de exclusividade dos AI com os intermediários. Considerando a evolução do mercado e a relevância adquirida pelos AI, a Resolução CVM 178 passou a permitir que os AI constituídos como pessoas naturais ou pessoas jurídicas se vinculem a mais de um intermediário.

Sem prejuízo da inovação regulatória, destaca-se que os AI que desejarem poderão manter os vínculos de exclusividade com o intermediário, mediante previsão contratual para tanto, uma vez que a exclusividade não é mais presumida pela regulamentação. A exclusividade prevista contratualmente foi adotada por muitos intermediários, inclusive previamente à divulgação da nova regulamentação, a fim de manter o relacionamento com determinados AI.

Em decorrência do fim da exclusividade, a Resolução CVM 178 estabeleceu regras para os casos em que o AI passe a se vincular a mais de um intermediário, devendo informar a seus clientes a nova vinculação. Não é necessário, contudo, que o AI procure ativamente toda sua base de clientes para realizar esta comunicação, podendo fazê-la na medida em que houver o contato.

  • Transparência

Outro aspecto relevante é a exigência de que o AI, sempre que solicitado por clientes, descreva como é remunerado, direta e indiretamente, por produtos e serviços oferecidos, incluindo valores ou percentuais efetivamente praticados.

Com efeito, a norma reforçou a busca pela transparência ao determinar que a divulgação de informações deve contemplar aspectos tanto quantitativos como qualitativos sobre a forma de remuneração do AI, inclusive no que diz respeito a eventuais adiantamentos de remuneração por parte dos intermediários, que podem representar incentivos envolvidos na oferta dos produtos e serviços aos clientes.

Estas disposições sobre transparência na remuneração dos AI estão alinhadas com a Resolução CVM 179, a qual abordaremos adiante.

  • Responsabilidade dos AI e do intermediário e Diretor Responsável pela atividade de AI

Em contrapartida ao fim da relação de exclusividade, a Resolução CVM 178 reforça o papel do intermediário em fiscalizar o AI no que diz respeito à sua estrutura interna, seus sistemas e procedimentos, não sendo suficiente o estabelecimento de rotinas apenas de verificação.

Para uma maior robustez na governança e atribuição de responsabilidades pelo exercício da atividade de AI, passou a ser exigida a nomeação de um diretor, sócio ou administrador responsável, que deve atuar como um ponto focal para questões regulatórias e auxiliar o intermediário em relação à supervisão a ser exercida sobre o AI pessoa jurídica.

Destaca-se que o texto final da Resolução CVM 178 buscou uma maior ênfase na responsabilidade do AI e do intermediário, tendo dispensado a exigência então proposta pelo EAP 05/21 para que o AI designasse um diretor estatutário para cumprimento das normas regulatórias e supervisão dos procedimentos e controles internos, elaborasse relatórios anuais, bem como estabelecesse uma ouvidoria.

Desse modo, os AI permanecerão sujeitos às políticas, regras, procedimentos e controles internos adotados pelo intermediário contratantes. Cabe destacar que na hipótese de vinculação a mais de um intermediário, o AI deve observar as políticas, regras e procedimentos de cada intermediário a que se vincule, cabendo ao AI, ainda, identificar e endereçar junto aos intermediários eventuais conflitos em tais normas.

Ainda nesse sentido, diferentemente da Resolução CVM 16, a nova norma editada não contempla a necessidade de aprovação, por parte do intermediário, dos materiais utilizados pelo AI, sem prejuízo das partes estabelecerem uma dinâmica alternativa contratualmente, caso julguem adequado. Não obstante, a eventual ausência de aprovação prévia do material pelo intermediário não afasta a sua responsabilidade pelos atos praticados pelo AI.

2. Impactos Societários da Resolução CVM 178

A Resolução CVM 178 inovou de forma bastante relevante os aspectos societários relacionados aos AI, trazendo grande flexibilidade para a forma de organização das atividades, a qual poderá ser realizada por meio de diferentes tipos societários, inclusive como parte de grupos econômicos e com a presença de sócios capitalistas; possibilidade de a sociedade de AI exercer outras atividades, desde que não conflitantes; e flexibilidade para a forma de contratação de AI pessoa física, não sendo mais exigida a vinculação dos profissionais exclusivamente mediante participação societária na pessoa jurídica.

Descrevemos estes e outros aspectos societários da nova norma a seguir.

  • Flexibilização do Tipo Societário, possibilidade de admissão de Sócios Capitalistas e formação de Grupo Econômico

Dentre os principais impactos estruturais da Resolução CVM 178 aplicáveis aos AI constituídos como pessoas jurídicas, encontra-se a flexibilização dos tipos societários que poderão ser adotados por tais sociedades, pleito que há muito tempo vinha sendo feito pela categoria.

Na norma anterior, era exigida a constituição de sociedades de agentes autônomos de investimento como sociedades simples, com sócios unicamente pessoas físicas e devidamente habilitados para atuar como agentes autônomos de investimentos.

A partir da entrada em vigor da Resolução CVM 178, as sociedades de AI poderão ser constituídas sob qualquer tipo societário admitido em lei, tal como sociedades empresárias limitadas e sociedades anônimas.

Esta alteração representa um enorme avanço e flexibilização para o exercício da atividade de AI, uma vez que abre a possibilidade de as sociedades se organizarem conforme diferentes arranjos societários, por meio de holdings, como parte de grupos econômicos e com a presença de sócios capitalistas, os quais poderão contribuir com capital para a sociedade, permitindo o seu desenvolvimento e expansão.

  • Fim do Objeto Social Exclusivo de Assessoria de Investimento

Outra flexibilização relevante para a estrutura societária das sociedades de AI é a possibilidade de exercício de outras atividades dentro da mesma sociedade (mesmo CNPJ), tais como atividades complementares relacionadas aos mercados financeiro, de capitais, securitário e de previdência e capitalização, desde que observadas a legislação e regulamentação aplicáveis e que tais atividades não sejam conflitantes com a atividade de distribuição de produtos de investimento, dentre as quais incluem-se a atividade de gestão de recursos de terceiros, consultoria de valores mobiliários e análise de valores mobiliários (não podendo tais atividades serem exercidas ainda que sob regime de segregação de atividades).

Desse modo, verifica-se a possibilidade de incorporação de atividades que hoje são desenvolvidas por uma pessoa jurídica apartada (comumente designadas como PJ2) diretamente pela sociedade que também oferece os serviços de Assessoria de Investimento.

Esta alteração permitirá a redução de custos societários e administrativos das sociedades de AI e facilitará a organização das atividades que antes eram exercidas por duas ou mais sociedades diferentes.

No entanto, caberá aos AI a avaliação quanto à efetiva conveniência e adequação tributária acerca da unificação das atividades em um único CNPJ, visto que poderá existir situação em que, por exemplo, uma das sociedades seja aderente ao “Simples Nacional” e a outra não. Recomendamos, portanto, a análise individualizada de toda estrutura organizacional, levando em consideração os aspectos jurídicos pertinentes.

  • Flexibilidade na forma de Contratação de AI Pessoa Física

A Resolução CVM 178 também inovou ao remodelar a forma de contratação de AI pessoas naturais, não sendo mais exigido que estes se tornem sócios da sociedade de AI.

Nesse sentido, passa a ser permitida, nas sociedades de AI, a vinculação de AI pessoa física como sócios, empregados ou prestadores de serviços.

Esta é mais uma flexibilização relevante trazida pela nova norma, pois confere maior autonomia para que as sociedades atraiam e contratem AI da forma que julgarem mais adequada, a depender do perfil, experiência e senioridade do profissional.

Por outro lado, recomendamos a avaliação cuidadosa pelas sociedades de AI com relação à melhor estrutura de contratação e remuneração de profissionais, tendo em vista os aspectos societários, tributários, trabalhistas e previdenciários relacionados.

  • Impossibilidade de Multivinculação de AI Pessoa Física para o exercício de sua atividade

Tal como previsto na regulamentação vigente, a Resolução CVM 178 manteve a obrigatoriedade de vinculação de AI pessoa natural a apenas uma única sociedade de AI para o exercício de sua atividade, e a vedação para que uma sociedade de AI contrate AI pessoa jurídica individual, visto que o segundo caso representaria terceirização da atividade fim. Dessa forma, o AI pessoa física apenas poderá exercer a atividade de assessor de investimento por meio de uma única pessoa jurídica, seja como sócio, empregado ou prestador de serviços.

  • Possibilidade da Participação de AI Pessoa Física em outras Sociedades de AI

Com relação à vedação de o AI participar de outras sociedades, alternativamente à proposta do EAP 05/21, a CVM entendeu que a proibição deveria ter como foco o exercício, pelo AI, de atividades conflitantes e não a mera participação como sócio ou acionista capitalista em sociedades que desempenhem tais atividades.

Com efeito, a Resolução CVM 178 não prevê uma vedação para a participação societária do AI em outras sociedades, sendo certo que o exercício, pelo AI, de atividades conflitantes não é admitido em qualquer circunstância.

3. Resolução CVM 179

A Resolução CVM 179 tem como principal foco a regulação das práticas remuneratórias aplicáveis às atividade de intermediação de valores mobiliários e a alteração de dispositivos da Resolução CVM 35, bem como de outras normas editadas pela CVM com o objetivo de atualizar a denominação dos AI em diversos normativos editados pela CVM.

  • Informações que devem ser divulgadas pelos intermediários a seus clientes

Dentre as principais inovações da Resolução CVM 179, destaca-se a inclusão, na Resolução CVM 35, de um capítulo específico determinando as informações sobre remuneração e conflitos de interesse que devem ser divulgadas pelos intermediários a seus clientes.

Nesse sentido, os intermediários deverão manter informações qualitativas e quantitativas sobre as formas e arranjos remuneratórios, bem como em relação a potenciais conflitos de interesse oriundos do recebimento de tal remuneração, em seção ou página específica de seu website disponíveis para acesso por investidores, inclusive previamente à tomada da decisão de investimento.

Destaca-se que a própria regulamentação prevê que o regime de divulgação de informações gerais de caráter descritivo e qualitativo da remuneração deve ser público, ficando tais informações disponíveis em página de amplo acesso, por seu turno, as informações quantitativas poderão ser prestadas diretamente ao cliente do intermediário em ambiente de transmissão de ordens (i.e., área logada).

É importante destacar que a agenda de transparência na remuneração da indústria de distribuição de produtos de investimento é um tema que vem sendo tratado tanto pela CVM, quanto pela autorregulação, haja vista a exigência estabelecida, desde 13 de julho de 2021, por meio das Regras e Procedimentos para Transparência na Remuneração dos Distribuidores nº 04 editadas pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”), para que os distribuidores detalhem aspectos gerais da forma de remuneração, dos potenciais conflitos de interesse daí decorrentes e seus respectivos mitigadores.

Cabe ressaltar que, diferentemente da proposta inicial do EAP 05/21, a divulgação de tais informações passou a ser dispensada para investidores profissionais, em que pese tal divulgação seja exigida para aqueles intermediários brasileiros que mantenham serviços de captação de clientes contratados por intermediários estrangeiros (i.e., hipótese de condução de serviços de intermediação no país).

  • Extrato Trimestral

Também em decorrência da agenda de transparência, a Resolução CVM 179 introduziu o extrato trimestral que deverá ser encaminhado, pelos intermediários, a seus clientes indicando os valores efetivamente praticados para cada cliente, refletindo as características pactuadas com cada investidor e o intermediário e permitindo a verificação dos valores acumulados.

Destaca-se, ainda, que a Resolução CVM 179 inova em relação à proposta inicial do EAP 05/21 ao prever novos exemplos de práticas remuneratórias adotadas pela norma que passaram a ser expressamente previstas, tais como, exemplificativamente, a conversão entre moedas, percentual e volume de ordens direcionadas a outros intermediários e percentual e volume de ordens direcionadas a ambientes de negociação específicos.

4. Vigência

Tanto a Resolução CVM 178 quanto a Resolução CVM 179 entram em vigor em 1º de junho de 2023, com exceção das seções que introduzem o regime de prestação de informações ao cliente na Resolução CVM 35, conforme previstos na Seção III – Informações Quantitativas e Específicas Prestadas ao Cliente e na Seção IV – Extrato Trimestral do artigo 7º da Resolução CVM 179, os quais passam a ser exigidos a partir de 3 de janeiro de 2024.

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.

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