Na esteira da edição da Lei nº 13.874/2019 (“Lei da Liberdade Econômica”), que incluiu capítulo próprio aplicável aos fundos de investimento no Código Civil brasileiro, demonstrando a relevância deste instrumento econômico e suprindo a ausência de uma base legal sólida sobre o tema, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou o aguardado Edital de Audiência Pública SDM nº 08/20 (“EAD 08”), contendo a proposta de alteração da regulamentação aplicável aos fundos de investimento no Brasil.
O EAD 08, no entanto, não se limita a regulamentar as mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, mas se propõe a modernizar a regulamentação dos fundos de investimento como um todo, trazendo alterações adicionais consideradas necessárias para consolidar e padronizar os conceitos aplicáveis aos fundos de investimento brasileiros e oportunas para aproximar o mercado local das práticas adotadas em mercados mais desenvolvidos.
Inicialmente, o EAD 08 busca definir uma saudável mudança estrutural à regulamentação dos fundos de investimento no Brasil.
Nesse sentido, propõe uma minuta de resolução (“Minuta”) composta por três partes, sendo a primeira uma parte geral, aplicável a todas as categorias de fundos de investimento e, as outras duas, os chamados “anexos normativos” e que tratam, respectivamente, das regras aplicáveis aos (i) fundos de investimento em ações, cambiais, multimercado e em renda fixa e (ii) fundos de investimento em direitos creditórios.
A CVM informa, ainda, que os anexos relativos às categorias de fundos não abrangidas na Minuta, quais sejam, os fundos de investimento imobiliário e os fundos de investimento em participações, serão inseridos futuramente à regulamentação, ao longo do trabalho de revisão e consolidação dos atos normativos e conforme a agenda regulatória daquela autarquia.
A Minuta também trouxe nova nomenclatura para os fundos de investimento em ações, cambiais, multimercado e em renda fixa, que passam a ser denominados fundos de investimento financeiro (“FIF”).
Dentre as alterações propostas à regulamentação decorrentes da Lei da Liberdade Econômica, em uma análise preliminar, é possível verificar que a Minuta endereça em grande medida os itens que contavam com uma maior expectativa do mercado, como, por exemplo, ao estabelecer o administrador fiduciário e o gestor de recursos como prestadores de serviços essenciais dos fundos de investimento, não havendo mais, portanto, a necessidade de estabelecimento de relação contratual entre ambos, com uma definição mais clara das atribuições de cada um.
Não obstante, a Minuta ainda mantém em algumas situações, como no caso dos fundos de varejo, o conceito de responsabilidade solidária do administrador fiduciário e do gestor de recursos em relação aos prestadores de serviços contratados por cada um, em virtude de condutas contrárias à lei, regulamento ou atos normativos da CVM.
Tal previsão, no entanto, preserva distorções atualmente existentes na regulamentação e vai de encontro, em nosso entendimento, à própria intenção da Lei da Liberdade Econômica, razão pela qual deve ser objeto de comentário no âmbito do EAD 08.
Da mesma maneira, ainda que em nossa visão os temas tenham genericamente sido tratados de forma adequada na Minuta, algumas restrições trazidas (i) à possibilidade de limitação de responsabilidade dos investidores ao valor de suas cotas para todo e qualquer fundos exclusivo e (ii) de criação de classes de cotas de diferentes categorias (i.e. Multimercado e Ações) dentro de um mesmo fundo nos parecem, preliminarmente, carecer de uma razão justificável.
Como pontos não relacionados à promulgação da Lei da Liberdade Econômica, chamamos a atenção, inicialmente, para a possibilidade dos fundos de varejo investirem até 100% (cem por cento) de seus recursos no exterior, porém por meio de fundos ou veículos de investimento no exterior cujas características são bastante restritivas, o que pode limitar sua viabilidade prática.
Adicionalmente, em função dos apontamentos por organizações internacionais à CVM sobre a inexistência de uma regra de limite de alavancagem na regulamentação brasileira de fundos de investimento e potenciais riscos sistêmicos daí decorrentes, a Minuta propõe o estabelecimento de limites de alavancagem para fundos de varejo e para fundos destinados para investidores qualificados, com a determinação de limites de exposição atrelados, prioritariamente, a um percentual máximo do patrimônio líquido dos fundos que pode ser utilizado para fins de coberturas e margens decorrentes da exposição a risco de capital.
Relativamente aos fundos de investimento em direitos creditórios, a Minuta propõe também diversas alterações relevantes, entre as quais a eliminação da categoria de fundos de investimento em direitos creditórios – não padronizados, as situações em que precatórios federais podem não ser considerados como direitos creditórios – não padronizados, para os fins da Minuta, e o estabelecimento de requisitos que permitam a fundos de investimento em direitos creditórios terem suas cotas distribuídas ao público em geral.
Os pontos acima indicados são aqueles que destacamos após uma primeira análise da Minuta. Certamente, muitos outros pontos de atenção e desenvolvimento surgirão ao longo das discussões sobre o EAD 08.
Não obstante, consideramos importante destacar, desde já, o trabalho competente e minucioso realizado pela CVM na elaboração da Minuta que, em que pese existir pontos que dependerão de uma discussão mais aprofundada com o mercado (como é exatamente o objetivo do EAP), já representa um passo importante na construção da nova regulamentação e que nos coloca diante da oportunidade de equiparar a indústria de fundos de investimento no Brasil a jurisdições em estágio mais avançado, a partir do novo marco legal criado pela Lei da Liberdade Econômica.
Por este motivo, o aprofundamento das discussões no âmbito do EAD 08 será essencial para o desenvolvimento da indústria de fundos nacional, sendo por esta razão de suma importância a participação efetiva dos participantes do mercado.
O prazo para envio de comentários e sugestões à Minuta se encerra em 02 de abril de 2021.
Nosso escritório participará e acompanhará de perto o desenvolvimento do assunto, trazendo novas informações à medida que disponíveis.
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