Medida Provisória institui come-cotas em Fundos Fechados e promove outras alterações na tributação de fundos de investimento

Foi publicada em 28/08/2023 a Medida Provisória nº 1.184, que propõe a alteração da legislação tributária aplicável aos fundos de investimento para passar a tributar semestralmente pelo IRRF os rendimentos apurados na carteira daqueles fundos constituídos como condomínios fechados (“Fundos Fechados”), mesmo que não amortizados, à semelhança do que já ocorre hoje para os fundos de investimento abertos sujeitos à regra geral da tabela regressiva (“Come-cotas”).

 

Regime tributário atual

Os fundos de investimento sujeitos ao regime de renda fixa (tais como os fundos de renda fixa, fundos cambiais e FIDC) constituídos como condomínios abertos estão sujeitos à retenção do IRRF do Come-cotas semestralmente sobre os rendimentos apurados.

Por seu turno, os fundos de investimento sujeitos ao regime de renda fixa constituídos como condomínios fechados não se submetem ao Come-cotas, da mesma forma que ocorre para os FIA e fundos de investimento sujeitos a legislações específicas.

 

Proposta da MP

Para a compreensão das principais alterações propostas pela MP, segue abaixo resumo executivo, com destaque para os temas de maior sensibilidade:

  • Come-cotas. Fundos de investimento passarão a ter como regra geral a incidência periódica do come-cotas, independentemente da sua constituição como condomínios abertos ou fechados (excluídos os fundos com legislação específica – e regimes próprios, tais como FIP-Infra, FI-Infra, FII e Fiagro);
    • Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) serão tratados na nova regra geral, com come-cotas (tema é de grande sensibilidade, tendo em vista a dificuldade/ impossibilidade de acesso aos recursos em decorrência de questões de liquidez e diferentes estruturas de FIDC);

 

  • Regimes, sistemáticas e alíquotas atuais aplicadas aos diferentes tipos de fundos de investimento serão mantidas (tabela regressiva para fundos de renda fixa; 15% em FIA etc.);

 

  • Entidade de Investimento para fins tributários. Alguns fundos sujeitos à legislação específica (e regimes próprios, conforme indicado abaixo) também podem ficar sujeitos ao come-cotas, desde que não atendam ao critério de “entidade de investimento” que passa a ser introduzido na legislação tributária;
    • Serão considerados fundos qualificados como “entidade de investimento” para fins tributários, a princípio, aqueles que   tiverem estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas quando organizados como fundos ou veículos de investimentos, no Brasil ou no exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional – CMN;
    • Estão sujeitos a esta regra:(i) os Fundos de Investimento em Ações (“FIA”, de que trata a Lei nº 11.033), (ii) os Fundos de Investimento em Participações (“FIP”, de que trata a Lei nº 11.312) e (iii) os Fundos de Índice (“ETF”), excepcionados os ETF de Renda Fixa de que trata o art. 2º da Lei nº 13.043/2014.

 

  • FIA:
    • Regra de “entidade de investimento” deverá ser observada para fins de não-incidência de come-cotas;
    • Base de cálculo do come-cotas excluirá o valor da contrapartida,  positiva ou negativa, decorrente da avaliação de quotas ou ações de emissão de pessoas jurídicas domiciliadas no País representativas de controle ou coligação integrantes da carteira dos fundos, nos termos do disposto no art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“MEP”);
      • Pela regra proposta, não se aplica a exclusão para investimentos em entidades no exterior;
    • Mantido o critério de enquadramento de carteira formada por, no mínimo, 67% de ações ou equiparadas;
    • Relação de ativos equiparados a ações (que hoje está em Instrução Normativa da RFB) será vertida para a lei, mantidos ativos no exterior, tal como cota de fundo de investimento em ações e ETF de ações no exterior.

 

  • FIP:
    • Regra de “entidade de investimento” deverá ser observada para fins de não-incidência de come-cotas;
    • Base de cálculo do come-cotas excluirá os resultados decorrentes de MEP;
      • Pela regra proposta, não se aplica a exclusão para investimentos em entidades no exterior;
    • Alteração na regra de enquadramento tributário (eliminando a exigência de 67%, no mínimo, em ações de sociedades abertas, debêntures conversíveis e bônus de subscrição) e tratamento de isenção para os INR não-paraíso está prevista no PL 4188.

 

  • ETF:
    • Regra de “entidade de investimento” deverá ser observada para fins de não-incidência de come-cotas;
    • Para fins da MP, serão considerados como aqueles que cumprirem os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM e possuírem cotas efetivamente negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado. Os ETFs de Renda Fixa estão excluídos do tratamento da MP.

 

  • Fundo de fundos (“FIC”):
    • Não estarão sujeitos ao come-cotas, desde que mantenham na carteira investimento mínimo de 95% em fundos “entidade de investimento”.

 

  • Reorganização de fundos de investimento:
    • Regra geral: serão tributadas a partir de 1º/01/2024 todas as reorganizações envolvendo fundos de investimento, com exceção daquelas envolvendo, exclusivamente, FIAs, FIPs e ETFs (exceto ETF RF), bem como em relação aos fundos de investimento sujeitos a regime próprio previstos em legislação especial (art. 23 da MP).
    • Contudo, MP acaba por prever que já haveria a incidência de IRRF na fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundos de investimento em 2023, exceto quando: (i) o fundo objeto da operação não esteja sujeito à tributação periódica nos meses de maio e novembro no ano de 2023; e (ii) a alíquota a que seus cotistas estejam sujeitos no fundo resultante da operação seja igual ou maior do que a alíquota a que estavam sujeitos na data imediatamente anterior à operação;
      •  Esta previsão pode ser objeto de questionamentos, uma vez que, até o momento, não há base legal para a tributação em caso de reorganização de fundos de investimento, não podendo ser prevista a cobrança ainda em 2023, em que pese a Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015 já trazer dispositivos nesse sentido;
    • No caso dos fundos acima com titulares de cotas com prazos distintos de aplicação, haverá a incidência do IRRF somente sobre os rendimentos apurados por aqueles que estarão sujeitos a uma alíquota menor após a operação.
      • Ou seja, em operações nas quais um cotista pessoa física de um fundo multimercado de renda fixa que já esteja sujeito à alíquota de 15% pelo prazo da aplicação, eventual operação de cisão para um FIA ou FIP (sujeitos à alíquota de 15%) não resultará em tributação;
    • A tributação pelo imposto de renda de reorganizações de fundos de investimento pode sofrer questionamentos em decorrência da ausência de disponibilidade da renda.

 

  • Estoque de rendimentos:
    • Cotistas pessoas físicas residentes no Brasil terão  a opção de antecipar, ainda em 2023, a tributação sobre o estoque de rendimentos apurados até 31/12/2023 (pendente de necessidade de aprovação da MP ainda em 2023, o quanto antes) dos Fundos qualificados como Entidade de Investimento, à alíquota de 10% (que poderá ser alterada no Congresso), observados os seguintes recortes;
      • rendimentos apurados até 30 de junho de 2023, em 4 (quatro) parcelas iguais nos meses de dezembro/23, janeiro/24, fevereiro/24 e março/24; e
      • rendimentos apurados de 1º de julho de 2023 a 31 de dezembro de 2023: à vista, em maio/24
    • O recolhimento ficará a cargo do responsável tributário, na pessoa do Administrador do fundo de investimento;
    • Quem não realizar a opção será tributado integralmente no primeiro come-cotas de 2024 (maio/24), com parcelamento em até 24 meses, atualizado pela Selic, sob responsabilidade do Administrador do fundo de investimento;
    • Recursos para recolhimento do IRRF em ambos os cenários deverão ser fornecidos pelos cotistas aos Administradores, podendo o Administrador do fundo dispensar o aporte de novos recursos;
    • Vale observar que cotistas de FIA e FIP não qualificados como entidade de investimento também poderão aderir à opção pela antecipação do recolhimento, à alíquota de 10%;
    • A tributação do estoque de rendimentos pela sistemática do Come-cotas poderá ser objeto de discussão judicial por afronta, por exemplo, a princípios constitucionais (como o da irretroatividade da lei tributária), indo de encontro com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADIN 2588).

 

  • Investidor não-residente (“INR”):
    • Regra geral: os INR, oriundos ou não de jurisdição de tributação favorecida de que trata o art. 24 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda à alíquota de 15% sobre os rendimentos de aplicações em fundos de investimento, ressalvadas as aplicações em:
      • FIA, sujeitas à tributação de 10% para os investidores residentes ou domiciliados no exterior não oriundos de jurisdição de tributação favorecida;
      • FIP, sujeitas à tributação de que trata o art. 3º da Lei nº 11.312/2006.
    • A previsão contida no art. 18 da MP, a princípio, sujeita os INR ao Come-cotas, podendo haver discussão sobre a alíquota incidente no caso dos FIAs não qualificados como entidade de investimento (art. 18, §1º da MP).

 

  • FII e Fiagro:
    • Alteração das regras de isenção dos rendimentos para passar a prever como critérios não apenas a necessidade das cotas dos FIIs e Fiagros estarem admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado, mas também:
      • que tais cotas sejam efetivamente negociadas nesses ambientes;
      • aumento do número mínimo de cotistas, de 50 para 500.

 

  • Outros assuntos:
    • Previsão para que a regra tributária passe a ser aplicada às classes de cotas, e não aos fundos de investimento (observando conceitos da nova regulamentação de fundos de investimento, aplicáveis a partir de abril/2024);
    • Previsão para que o usufrutuário seja considerado como o beneficiário dos rendimentos para fins tributários, ainda que ele não seja o proprietário da cota.

 

Quadro resumo

Os regimes tributários dos fundos de investimento podem vir a sofrer as alterações abaixo indicadas na hipótese de aprovação da MP segundo seus termos atuais:

Classificação dos Fundos de Investimento Hoje Proposta da MP
Fundo “renda fixa” aberto
  • Tributação pela tabela regressiva
  • Curto ou longo prazo
  • Com come-cotas
  • Mesmo regime tributário
Fundo “renda fixa” fechado (inclusive exclusivos)
  • Tributação pela tabela regressiva
  • Curto ou longo prazo
  • Sem come-cotas
  • Tributação pela tabela regressiva
  • Curto ou longo prazo
  • Com come-cotas
FIA
  • Tributação pela alíquota flat de 15%
  • Sem come-cotas
  • Tributação pela alíquota flat de 15%
  • Com come-cotas quando for considerado “não entidade de investimento” ou “patrimonial”
FIP
  • Tributação pela alíquota flat de 15%
  • Sem come-cotas
  • Tributação pela alíquota flat de 15%
  • Com come-cotas quando for considerado “não entidade de investimento” ou “patrimonial”
Demais fundos com legislação específica
  • Aplicação de regras específicas
  • Sem come-cotas
  • Mesmo regime tributário

 

Outras Alterações

Ainda, importante destacar que as regras sobre a tributação das aplicações financeiras no exterior, das Offshore e do reconhecimento dos trusts (que haviam sido trazidas pela MP 1.171 e foram recentemente inseridas no Relatório da MP 1.172) serão tratadas via Projeto de Lei (“PL”), que provavelmente contará com ajustes decorrentes das emendas apresentadas à MP 1.171, e que foi assinado pelo Presidente da República e encaminhado ao Congresso Nacional em 28/08/2023.

 

Implicações para Planejamentos Patrimoniais

É inegável que as estruturas de Fundos Fechados possuem como um de seus grandes atrativos o diferimento da tributação em relação aos ganhos e rendimentos auferidos pelas carteiras dos Fundos em aplicações realizadas nos mercados financeiros e de capitais.

Não obstante, tais estruturas permitem (i) a consolidação do patrimônio financeiro de indivíduos e famílias e (ii) a implementação de uma maior variedade de estratégias de planejamento patrimonial e sucessório (em comparação com as alternativas disponíveis àqueles que mantêm as aplicações financeiras diretamente em seu nome), inclusive com a possibilidade de antecipação de cotas a herdeiros, sem que isso implique perda de controle sobre o patrimônio (e, a depender do Estado em que domiciliado o titular das cotas, com possibilidade de aproveitamento de benefícios para fins do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – “ITCMD”).

Além disso, com a edição da Resolução CVM nº 175, de 2022, abriu-se um rol ainda maior de possibilidades para a utilização de Fundos Fechados no contexto de planejamentos patrimoniais e sucessórios – em especial no que se refere à adoção das classes e subclasses de cotas, razão pela qual estas estruturas, reitera-se, continuarão a desempenhar papel relevante para indivíduos e famílias cuja parcela do patrimônio esteja alocada nos mercados financeiros e de capitais.

Nossa equipe continuará acompanhando o andamento da Medida Provisória e dos debates a respeito do tema da tributação dos Fundos Fechados, e encontra-se à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente ao assunto aqui tratado.

 

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório


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