Insegurança jurídica na alteração de regime de bens na União Estável

Artigo escrito por Carlos Alberto de Mello Iglesias e Rafael Rossi Pantaleão e publicado na Revista LIDE.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a equiparação do casamento à união estável quando promoveu o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG com repercussão geral, impedindo que a herança de cônjuges e companheiros fosse tratada de forma diferente.

É evidente que os dois institutos, casamento e união estável, guardam diversas semelhanças, inclusive nos aspectos patrimoniais entre as partes, e a equiparação entre esses institutos gerou questionamentos a serem enfrentados.

Porém, quais são as regras para estabelecer e alterar o regime de bens na união estável?

Em relação à união estável, quando os companheiros não escolhem regime de bens por escrito se aplica o regime da comunhão parcial de bens, mas a Lei não estabelece: (i) quando os companheiros devem formalizar o regime de bens, nem (ii) se há possibilidade de alteração do regime de bens entre companheiros ou quais os requisitos para tal alteração.

Recentemente, alguns desses pontos foram tratados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.845.416/MS, fomentando o debate, tendo em vista que houve divergência entre os Ministros.

Em síntese, o julgamento visava solucionar se a escritura pública de reconhecimento de união estável que estabelece o regime de separação total de bens assinada muito depois do início da união tem eficácia retroativa para todo o período da união estável ou se só tem validade daquela data em diante e se é válida a alteração de bens no curso da união estável.

O voto vencido defendeu que os efeitos da escritura deveriam retroagir, argumentando que deveria prevalecer a vontade das partes quando da celebração da escritura, ainda que estabelecido posteriormente ao início da união.

Por outro lado, o voto vencedor seguiu o entendimento de que a união estável gera efeitos jurídicos e patrimoniais desde o seu nascimento, portanto, a escritura não poderia retroagir seus efeitos, devendo valer apenas a partir da data de sua assinatura.

Contudo, se a união estável é equiparada ao casamento, os companheiros poderiam mudar o regime de bens sem uma declaração judicial?

As questões surgem imediatamente:

1 – Se as partes definiram um determinado regime de bens no início da união estável, esse regime pode ser alterado, bastando assinar documento definindo outro regime de bens? Há necessidade de declaração judicial?

2 – Quais são as formalidades que as partes devem seguir para eleger com segurança ou alterar um regime de bens no decorrer da união estável?

Se seguirmos a lógica dos Tribunais Superiores e equiparar, sem restrições, o casamento à união estável, inclusive a “burocracia” conjugal, a alteração do regime de bens após seu início só poderia ser admitida por sentença judicial.

Essa interpretação gera insegurança jurídica, pois há risco da declaração de nulidade do regime de bens livremente estabelecido entre as partes se: (i) for diferente da comunhão parcial de bens; e adicionalmente (ii) tais documentos forem formalizados em alteração ao regime original, ainda que estabeleçam partilha de bens quando aplicável; ou (iii) se forem firmados depois do início do relacionamento quando vigorava o regime da comunhão parcial.

A decisão do STJ abriu caminho para uma vasta discussão da doutrina e dos Tribunais, causando insegurança jurídica até que futuras decisões sobre o tema venham a solucionar essas lacunas.

Assim, na prática, em cada caso poderá haver uma solução diferente, que melhor atenda aos interesses das partes envolvidas, ponderando determinados riscos.

Como a partilha de bens é direito patrimonial disponível, tratar do tema em eventual alteração de regime de bens é medida que se impõe, ainda que para reconhecer que não há nada a partilhar, demonstrando boa-fé entre os companheiros, porém, vale lembrar que são nulos os atos praticados sem obedecer a forma prescrita em lei (art. 104, III, C. Civil), aplicando a forma judicial por equiparação, o que nos parece um exagero de formalismo para uma relação familiar que não deveria ser formal.

Nesse sentido, quando for estabelecer o regime de bens ou promover a sua alteração todos os riscos devem ser bem ponderados ao caso concreto, sob pena de que o documento pretendido possa ser declarado nulo, sem atingir o efeito pretendido perante os conviventes e terceiros, inclusive herdeiros. Daí o cuidado e reflexão das partes.

Caso estivéssemos diante de um casamento, como a regra é fixar o regime de bens antes do seu início e esse regime só pode ser alterado por sentença judicial, não haveria essa discussão.

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*Carlos Alberto de Mello Iglesias e Rafael Rossi Pantaleão são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Cepeda Advogados