A pandemia da COVID-19 tem criado uma série de desafios sem precedentes para a sociedade como um todo e, como não poderia ser diferente, aos participantes da indústria de fundos de investimento no Brasil (“Participantes”).
A extensão dos efeitos econômicos da pandemia, a depender de sua duração e das regras de contenção sendo impostas, bem como da eficácia das medidas de estímulo sendo adotadas pelos governos do mundo todo, ainda é desconhecida.
Nesse contexto, este Informativo tem por objetivo abordar algumas das questões que se colocam como prioritárias, em nossa visão, bem como explorar oportunidades decorrentes da conjuntura atual, no âmbito do mercado de administração e gestão de recursos de terceiros.
A. Oportunidades para os atuais e novos Participantes da Indústria
Apesar dos desafios indubitáveis que a pandemia representa para a economia como um todo, acreditamos que ela traz consigo também diversas oportunidades adiante.
Nessa linha, investidores profissionais em diferentes segmentos estão se preparando e monitorando os mercados em busca das melhores oportunidades que surgirão tão logo comecem a ser atenuadas as incertezas que o cenário atual apresenta.
Com isso em mente, relacionamos abaixo algumas das oportunidades para os Participantes que entendemos podem surgir em decorrência da pandemia.
Valor dos Ativos
Como mencionado acima, em contato com nossos clientes, identificamos a percepção de que, em regra, ativos em diferentes classes estão sendo avaliados a valores excessivamente descontados.
Isso gera, obviamente, a oportunidade de investidores se aproveitarem do retorno de tais valores aos patamares normais, uma vez reestabelecidas as condições de mercado e mediante uma maior previsibilidade e estabilidade dos preços dos ativos.
Nesse sentido, temos visto desde renomados gestores de fundos de investimento em ações reabrir seus fundos para captação após diversos anos, bem como gestores de fundos de investimento em participações (private equity e venture capital), entre outros em diferentes classes de ativos, avançarem com a estruturação e com a captação de recursos em novos veículos, no Brasil e no exterior, buscando se posicionar corretamente para a retomada dos diferentes mercados, no momento adequado.
Para se aproveitarem do momento de mercado acima mencionado, os Participantes devem estar atentos às oportunidades e considerar antecipar a estruturação e constituição dos fundos de investimento adequados às suas estratégias, de forma a viabilizar a correspondente captação de recursos, chamada de capital comprometido e realização dos investimentos, conforme o caso, tempestivamente.
Nessa mesma linha, porém sob ângulo diferente, acreditamos que os fundos de investimento, em suas diferentes categorias, serão ferramentas de fundamental importância à retomada da economia e ao financiamento da economia real, uma vez superado o período de excepcionalidade que estamos atravessando.
Diversificação de Estratégias de Investimento
Os remédios governamentais para estímulo da economia decorrentes da pandemia intensificaram, ainda, tendência que já vinha sendo observada das condições macroeconômicas no Brasil, em especial com uma redução ainda mais incisiva das taxas de juros.
Nesse cenário, torna-se importante para investidores de todas as categorias a capacidade de diversificação de portfólio, inclusive, mas não limitadamente, através da alocação em ativos de maior potencial de retorno e por meio da viabilização de investimentos no exterior.
Como consequência, entendemos provável um aumento na demanda por fundos de investimento no Brasil que admitam a alocação de parcela relevante do capital no exterior.
Atualmente, diversos participantes já se aproveitam de estruturas dessa natureza, para investimento por fundos destinados a investidores profissionais, que admitem investimento de até 100% (cem por cento) dos recursos em ativos no exterior.
Além das estruturas acima, entendemos que a estruturação de veículos no exterior adequados ao Anexo 101 da Instrução CVM 555, que admitem o investimento de até 100% (cem por cento) dos recursos no exterior por fundos de investimento destinados a investidores qualificados no Brasil e, assim, por fundos de investimento destinados a entidades fechadas de previdência complementar, também devem observar um incremento em sua demanda.
Constituição e Registro de Gestoras
Na mesma linha do acima exposto, empreendedores devem considerar o momento como adequado para iniciar ou acelerar o processo de constituição e obtenção dos registros necessários perante a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”) para atuação como gestores de recursos.
Isso porque, ao menos até o momento, referidos processos não sofreram interrupção e seguem seus ritos de análise e aprovação perante CVM e ANBIMA.
Assim, como comentado acima em relação aos fundos de investimento, tendo em vista que os processos de registro perante CVM e ANBIMA são em regra longos, a antecipação da constituição e registro de entidade Participante pode, conforme o desenrolar da situação sanitária e econômica, viabilizar o lançamento de fundos de investimento sob administração ou gestão das novas Participantes em momento oportuno.
Medidas Tributárias e Trabalhistas
Os gestores devem monitorar e considerar a utilização de todas as medidas tributárias (cliqueaqui e aqui)e trabalhistassendo anunciadas e implementadas pelo Governo em benefício das empresas investidas pelos fundos de investimento por eles geridos.
Referidas medidas, utilizadas correta e tempestivamente, contribuirão para o adequado enfrentamento da crise econômica pelas investidas, permitindo sua manutenção e rápida recuperação a partir da percepção do controle da pandemia.
Além de tais medidas, outras providências, inclusive o ingresso com ações judiciais para discussão de tributos incidentes sobre as operações ordinárias das empresas investidas, podem ser avaliadas caso-a-caso.
B. Impactos
Independentemente das oportunidades que se colocam, é importante ressaltar que, face ao atual cenário econômico, existem determinados impactos que podem e devem ser avaliados pelos Participantes relativamente aos fundos de investimento sob sua administração ou gestão, no Brasil ou no exterior, conforme aplicável, visando à adoção de medidas que tenham por objetivo mitigar potenciais riscos para os próprios Participantes, para os fundos e seus investidores.
Este Informativo não tem por objetivo esgotar tais medidas, mas apenas pontuar aquelas que, neste momento, nos parecem mais relevantes.
1. Medidas a serem adotadas no âmbito dos participantes do mercado
Plano de Contingência
Os Participantes devem se certificar de que os planos de contingência por eles estabelecidos em suas políticas internas estão sendo integralmente observados e se encontram adequados às necessidades atuais, bem como atuar para correção ou melhoria dos pontos do referido plano que se façam necessários.
É de fundamental importância que cada Participante, dentro de sua esfera de atuação, tenha total capacidade de desempenhar suas atividades, sejam elas de gestão, operacionais ou compliance, de forma integral e segura.
Especificamente no que se refere às regras de compliance, os Participantes devem se certificar que os procedimentos de verificação de operações e rotinas sigam em funcionamento normal apesar das regras de distanciamento social, bem como monitorar para que os prazos legais e regulatórios para apresentação de documentos e informações às autoridades, alguns dos quais foram estendidos, conforme abordado em nossos Informativos anteriores sobre o assunto (clique aqui e aqui), sigam sendo cumpridos, considerando inclusive as regras de funcionamento dos demais órgãos públicos.
Recomendamos aos Participantes que antecipem a avaliação das obrigações regulatórias a serem cumpridas, de forma a identificar potenciais dificuldades tempestivamente em relação ao prazo final para atendimento de tais obrigações.
Plano de Contingência dos Prestadores de Serviços
Na mesma linha, é recomendável que os Participantes confirmem, junto a seus prestadores de serviços e aos prestadores de serviços dos fundos de investimento sob sua administração ou gestão (tais como administradores fiduciários, gestores, custodiantes e auditores) que seus respectivos planos de contingência se encontram em operação e funcionando adequadamente, visando a evitar qualquer descontinuidade às atividades normais dos fundos.
Divulgação de Informações
Os Participantes devem avaliar se os documentos dos fundos de investimento ou outros firmados com investidores (por exemplo, compromissos de investimento ou side letters) estabelecem obrigações de divulgação de informações específicas em situações extraordinárias que estejam abrangidas pelo contexto atual.
Adicionalmente, os Participantes devem estar preparados para se comunicar de forma regular, clara e consistente com todos seus investidores, especialmente com aqueles que mantenham investimentos em fundos de investimento que venham a enfrentar situações adversas, como restrições de liquidez, sem prejuízo das obrigações legais de divulgação de fatos relevantes relativamente aos fundos de investimento, nas hipóteses aplicáveis.
Documentos dos Fundos de Investimento
É recomendável que os Participantes revisitem os documentos dos fundos de investimento, em especial aqueles que se encontrem abertos para captação, a fim de avaliar se os termos constantes dos referidos documentos, inclusive no que se refere a prazos, condições de liquidez e fatores de risco, devem ser alterados.
Nesse sentido, lembramos que a CVM, atenta aos efeitos da pandemia sobre o mercado de valores mobiliários, flexibilizou diversas regras aplicáveis às ofertas públicas de valores mobiliários, conforme resumido em Informativo específico que enviamos sobre o tema.
Contratos aplicáveis aos Fundos de Investimento
É recomendável, ainda, que os Participantes revisitem os contratos aplicáveis aos fundos de investimento, prioritariamente aqueles firmados com investidores e contrapartes.
No primeiro caso (com investidores), além de eventuais condições especiais de divulgação de informações anteriormente mencionadas, a fim de verificar se tais contratos com investidores preveem outras situações que podem ser impactadas pelo momento atual, tais como cláusulas que estabeleçam a necessidade dos Participantes tomarem providências na hipótese de pessoas chave da equipe de gestão passarem a trabalhar de forma remota ou serem afastadas, ainda que temporariamente, da gestão dos fundos de investimento.
No segundo caso (com contrapartes), buscando identificar nos contratos cláusulas de liquidação antecipada, chamada adicional de margem ou reajuste de condições econômicas, entre outras, que possam ser acionadas por efeitos econômicos decorrentes da pandemia, tais como queda brusca no patrimônio líquido ou rentabilidade dos fundos de investimento, seja em função da desvalorização dos ativos respectivos ou de resgates pelos respectivos investidores, dentro de um período reduzido de tempo.
Antecipar e eventualmente renegociar com os investidores e contrapartes tais condições dentro da conjuntura atual pode ser uma medida importante visando a evitar efeitos secundários indesejados ao andamento dos negócios dos fundos de investimento.
Assembleias Gerais dos Fundos de Investimento
Em função das regras de distanciamento social decorrentes da pandemia, os Participantes devem se estruturar para viabilizar a realização das assembleias gerais de cotistas dos fundos de investimento e quaisquer outras reuniões que seriam em condições normais realizadas de forma presencial (como reuniões de comitês de investimento, por exemplo) por meios virtuais aceitáveis pela legislação e regulamentação em vigor, conforme abordamos em Informativo anterior específico sobre o assunto.
2. Medidas a serem adotadas no âmbito dos fundos de investimento abertos
Riscos de Liquidez
Os Participantes devem, a todo tempo, observar as regras estabelecidas em suas políticas de gestão de riscos de liquidez para monitoramento e controle da liquidez dos fundos de investimento sob sua administração ou gestão.
Na atual conjuntura, em que a capacidade dos Participantes em prover a liquidez necessária aos resgates de cotas de fundos abertos pode estar limitada em função da ocorrência de volumes relevantes de resgates em períodos curtos de tempo ou restrições ou distorções na precificação quando da negociação dos ativos da carteira, a atenção dispensada aos procedimentos previstos em tais políticas deve ser redobrada.
Nesse aspecto, lembramos que a própria Instrução CVM 555 traz medidas que visam a proteger os cotistas dos fundos de investimento nas situações extraordinárias de falta de liquidez, por meio do fechamento dos fundos para resgates, sendo os Participantes responsáveis pela não utilização de tal prerrogativa que resulte em prejuízos aos cotistas.
No âmbito dos fundos de investimento constituídos no exterior, outros mecanismos como postergação do pagamento dos resgates ou a criação de side pockets é possível, desde que previstos nos respectivos documentos.
Já tomamos conhecimento, inclusive, de situações em que administradores fiduciários estão consultando os gestores de carteiras de fundos de investimento sobre as medidas sendo adotadas preventivamente, visando a mitigar os riscos de liquidez.
Os Participantes devem avaliar, ainda, se o momento é oportuno para revisão das regras de liquidez aplicáveis aos fundos de investimento e, em sendo o caso, submeter à assembleia geral dos fundos proposta de alteração, sempre no melhor interesse dos cotistas.
Precificação dos Ativos
Em que pese a disponibilidade, de maneira geral, de fontes seguras e públicas de divulgação dos valores para precificação dos ativos componentes das carteiras dos fundos de investimento, o preço de negociação de determinados ativos pode estar sujeito a distorções em determinados momentos.
É importante, neste cenário, que os Participantes possuam critérios claros sobre como lidar com tais situações, tanto no que se refere à negociação quanto no que se refere à precificação dos referidos ativos na carteira dos fundos de investimento, sempre no melhor interesse dos cotistas respectivos.
Face a tais distorções, em nossa visão, a volatilidade do mercado atribuirá um foco ainda mais importante aos critérios de (i) precificação do valor dos ativos para fins de negociação e (ii) determinação do valor das cotas de subscrição e resgate dos fundos de investimento (inclusive quanto ao posterior escrutínio pelas autoridades e auditores), os quais deverão ser claros e objetivos e ter sua adoção, nos casos menos óbvios, devidamente registrada e fundamentada nos registros competentes do administrador fiduciário, visando a minimizar discussões futuras.
3. Medidas a serem adotadas no âmbito dos fundos de investimento estruturados
Ofertas Públicas
A captação de recursos para fundos de investimento pode, na atual conjuntura, ter seu andamento prejudicado pelo cenário em torno da pandemia, sua duração e das medidas sanitárias e econômicas sendo tomadas em relação a ela nas diferentes jurisdições, e da volatilidade do mercado decorrente dessas incertezas.
Como tratamos de forma mais detida no item 1 acima, no entanto, à medida que a conjuntura se estabilize e os preços se tornem mais previsíveis, há expectativa de que diversos investidores queiram se aproveitar das oportunidades geradas pelos preços reduzidos em razão do momento atual de incerteza.
Para estarem preparados para esse cenário, os Participantes podem precisar considerar a possibilidade de estender o prazo de oferta de determinados fundos de investimento.
Nesse sentido, a própria CVM flexibilizou alguns prazos relacionados às ofertas públicas de valores mobiliários, conforme informamos em Informativo anterior.
É necessário, por isso, que os Participantes revisitem os documentos dos fundos de investimento, para revisão dos prazos de duração e outros termos e condições atualmente constantes dos documentos das ofertas que entendam necessário.
Prazos
Os fundos de investimento estruturados são em regra constituídos sob a forma de condomínios fechados, com prazo determinado de duração.
Nesse contexto, a atual conjuntura e seus efeitos futuros geram um impacto direto sobre a capacidade dos Participantes em cumprir com seus objetivos de gestão, dentro dos prazos estabelecidos previamente à pandemia.
Assim, recomenda-se aos Participantes que revisem os prazos de duração, prazos de investimento e prazos de desinvestimento estabelecidos nos documentos dos fundos fechados sob sua gestão, de acordo com os diferentes momentos de maturação em que se encontrem tais fundos, buscando antecipar e aprovar com os cotistas respectivos oportunamente a eventual necessidade de prorrogação dos referidos prazos em função da pandemia.
Inadimplência de Obrigações pelos Cotistas
Em que pese a inadimplência pelos cotistas relativamente às obrigações de integralização de capital comprometido ainda ser tema raro entre os Participantes que administram e gerem fundos de investimento estruturados, o cenário econômico atual não nos permite descartar um possível incremento em tais ocorrências.
Nesse cenário, recomendamos aos Participantes que revisitem as regras de cobrança de cotistas inadimplentes constantes dos regulamentos dos fundos de investimento e compromissos de investimento, visando a antecipar eventuais medidas necessárias para que se capacitem para o exercício dos procedimentos relacionados.
O exercício do dever fiduciário pelos Participantes em tais circunstâncias torna-se especialmente importante para fins de defesa do patrimônio comum dos cotistas, sendo necessário ainda planejar contingências caso o volume de inadimplência torne-se relevante.
Precificação dos Ativos
Relativamente aos ativos componentes das carteiras dos fundos de investimento estruturados, é fundamental que os Participantes possuam critérios claros de precificação, bem como total capacidade de acessar terceiros responsáveis pela realização das avaliações respectivas, quando admitido, buscando a maior precisão possível na aferição do valor da carteira dos fundos de investimento nos períodos exigidos.
Como mencionado anteriormente, o momento de mercado pode aumentar a incerteza sobre o valor atribuído aos ativos componentes das carteiras dos fundos de investimento, especialmente em relação aos ativos dos fundos estruturados que não possuam uma fonte pública de divulgação, aumentando a possibilidade de discussões futuras sobre os valores atribuídos a tais ativos em determinadas circunstâncias, que impactam inclusive as taxas de administração e performance cobradas dos fundos de investimento pelos Participantes.
Relativamente a fundos de private equity e venture capital, torna-se especialmente importante aos Participantes monitorar de perto as companhias investidas e os prestadores de serviços de avaliação dos ativos, visando a minimizar os riscos de não recebimento das demonstrações financeiras ou dos laudos correspondentes, necessários ao cumprimento das obrigações legais tempestivamente.
Nossa equipe se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente aos assuntos tratados neste documento.
Este Informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.
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Abril/2020