REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIAS GERAIS DE COTISTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL

Em função da pandemia do COVID-19, abre-se espaço para questionamento acerca da realização das assembleias gerais de cotistas dos fundos de investimentos, já que o encontro presencial entre os cotistas na sede da administradora deixou temporariamente de ser uma opção viável.

Nesse sentido, faz-se necessário encontrar alternativas para que o processo de aprovação por cotistas e, consequentemente, o próprio funcionamento dos fundos de investimentos, bem como o cumprimento de obrigações regulatórias não sejam prejudicados ou até mesmo paralisados.

No Ofício-Circular n° 6/2020/CVM/SIN publicado no dia 26 de março, a CVM firmou a interpretação de que, nas atuais circunstâncias, é justificável, à luz do interesse público, o cancelamento ou adiamento de assembleias gerais, convocadas ou não, em casos nos quais não seja possível a realização do conclave de forma remota, virtual ou por meio de consulta formal, observados os prazos dilatados objeto da recente Deliberação CVM n° 848.

I – Possíveis alternativas à realização de assembleias presenciais

Ainda que, por força da Deliberação CVM 848, os prazos para aprovação das demonstrações financeiras pelas assembleias gerais ordinárias de cotistas tenha sido prorrogado, o cenário quanto ao restabelecimento da normalidade das atividades é incerto, de forma que tais providências se tornam particularmente importantes dado a instabilidade do mercado de capitais em necessidade de agilidade na tomada de decisões. Dessa forma, ainda que em caráter de exceção, a utilização de meios alternativos para a realização das respectivas assembleias será indispensável.

No caso específico dos FIIs, a B3 disponibilizou nova plataforma eletrônica para voto a distância, a Central de Inteligência Corporativa (“CICORP”), meio eletrônico já utilizado por companhias abertas e que passará a ser utilizado como alternativa para FIIs que possuam suas cotas listadas[1]. Para os FIIs não listados na B3, os administradores deverão manter os meios para votação anteriormente utilizados, nos termos da Instrução CVM 472/08.

Com relação aos demais fundos, vislumbram-se as possibilidades previstas na Instrução CVM 472/08, Instrução CVM 555/14 e ICVM 578/16, sem prejuízo das disposições da Instrução CVM 555/14, em alguns casos, se aplicar subsidiariamente para outros fundos de investimento regulamentados por instruções específicas:

a) Consulta Formal. Nos termos do Art. 71, §1º da ICVM 555, as deliberações da assembleia podem ser adotadas mediante processo de consulta formal, sem necessidade de reunião dos cotistas, desde que tal procedimento esteja previsto no Regulamento. A mesma diretriz encontra-se prevista no Art. 30 da Instrução CVM 578/16, que regula os FIPs e nos Arts. 21 e 62 da Instrução CVM 472/08, que regula os FIIs. No caso de consulta formal, o prazo mínimo originalmente concedido aos cotistas para manifestação, de 10 (dez) dias, deverá ser dobrado, por força da Deliberação 848 mencionada acima, passando para 20 (vinte) dias.

b) Voto Eletrônico. Além do precedente trazido pela Decisão do Colegiado da CVM no âmbito do Processo CVM nº RJ-2010-12738[2], o Artigo 72 da Instrução CVM 555/14, bem como o Art. 27, § único da Instrução CVM 578/14 e o Art. 22, § único da Instrução CVM 472/09, por sua vez, dispõem sobre a realização de assembleia por meio eletrônico, desde que previsto em regulamento e resguardados os meios para garantir a participação dos cotistas e a segurança das assinaturas dos votos, que devem ser proferidos por meio de assinatura eletrônica legalmente reconhecida.

Quanto ao reconhecimento legal de assinatura eletrônica, a Nova Lei da Liberdade Econômica incluiu na Lei 12.682, de 9 de julho de 2012, a equivalência de valor probatório entre os documentos físicos e os documentos digitais, para todos os fins de direito, desde que presente o padrão de certificação digital da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

A CVM se manifestou, ainda, em favor da realização das assembleias gerais de forma remota ou virtual, em caráter de exceção, ainda que tal previsão não esteja presente no regulamento do fundo de investimento.

Outro ponto de preocupação dos participantes do mercado tem sido a indisponibilidade de cotistas, em especial de investidores institucionais, em fornecer os respectivos votos em razão dos obstáculos e prolongamentos dos procedimentos internos, que passaram a ocorrer de forma remota, como a realização de comitês e obtenção de aprovações e assinaturas dos respectivos representantes. Nesse contexto, medidas de suspensão das assembleias com posterior retomada poderão vir a ser solicitadas pelos investidores e caberá aos administradores fiduciários avaliar a conveniência de adotá-las.

c) Assembleias Virtuais. Em decisão inédita, o juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital, determinou que a Assembleia Geral de Credores do Grupo Odebrecht, a ser realizada em 31 de março de 2020, seja conduzida em ambiente virtual,respeitando o isolamento social que o momento exige. Ainda que tal decisão seja específica para esse caso e possa ser revertida em instâncias superiores, mostra-se um precedente promissor para solução das dificuldades enfrentadas em razão da pandemia.

Nesse caso, o administrador judicial pôde comprovar a utilização de meios e sistema de votação que garantiam todos os protocolos necessários para realização do ato com a devida transparência, resguardando os direitos de voz e voto dos envolvidos.

Tal alternativa mostra-se atrativa para as assembleias que costumeiramente são realizadas de forma presencial, devendo a administradora cercar-se das ferramentas e procedimentos necessários para respeitar e garantir os direitos e representatividade dos cotistas.

III – Conclusão

Assim, pela análise dos termos da Instrução CVM 555/14 e demais instruções citadas acima, a realização de assembleias ordinárias e extraordinárias por meio eletrônico será a alternativa viável no atual contexto social, desde que devidamente observados os requisitos regulatórios e segurança da informação.

Alertamos para o fato de que, exceto se emitido posicionamento oficial da CVM em sentido contrário, os administradores dos fundos de investimento que deixarem de realizar as assembleias gerais ordinárias nos prazos legais (observada a extensão prevista nos termos da Deliberação nº 848) poderão arcar com multa cominatória diária pelo tempo de atraso no cumprimento da obrigação.

Nossa equipe se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte na definição de estratégia para realização de assembleias gerais em ambiente virtual.

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[1] As disposições desta plataforma e o modo de utilização estão abarcadas pelo Ofício-Circular n° 5/2020/CVM/SIN, de 9 março de 2020, acessível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/sin/anexos/oc-sin-0520.pdf

[2] Disponível em http://www.cvm.gov.br/decisoes/2011/20110531_R1/20110531_D01.html

Março/2020