A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (“SEFAZ-SP”) publicou, no início de abril, Resposta à Consulta Tributária nº 25.343/2022 (“RC 25343/2022” ou “Resposta à Consulta”), na qual apresentou esclarecimentos quanto à incidência de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (“ITCMD”) em hipótese que envolvia planejamento sucessório executado via trust irrevogável¹ constituído no exterior.
No caso concreto, o Consulente afirmou ser beneficiário de um Trust, constituído no exterior, em seu benefício e de terceiros, com as seguintes características: (i) instituído por um não-residente em caráter irrevogável; (ii) prazo de vigência de 150 (cento e cinquenta) anos; (iii) distribuição dos ativos a título gratuito para os beneficiários; (iv) settlor não figurava dentre os beneficiários; e (v) patrimônio autônomo, isto é, o patrimônio do trust é distinto do patrimônio do settlor, trustee e dos beneficiários.
Nesse cenário, o Consulente formulou dois principais questionamentos:
(i) se a distribuição de ativos localizados no exterior, por um trust irrevogável, sediado no exterior, a beneficiário, pessoa física residente no Estado de São Paulo, deve ser considerada como uma doação feita ao beneficiário; e
(ii) em caso positivo, se é necessário recolher o ITCMD, nos termos do artigo 4º, da Lei nº 10.705/2000, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal (“STF”) no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108/SP (“RE 851.108/SP”), na qual foi fixada a tese de inconstitucionalidade da incidência de ITCMD sobre doações de bens realizadas por doador residente no exterior, até que editada a lei complementar exigida pelo art. 155, §1º, da Constituição Federal (“Tema 825”).
Com relação à natureza jurídica dos eventos narrados pelo Consulente, o Fisco Estadual entendeu que a instrumentalização da sucessão/ transmissão de patrimônio via trust constituiu ato de liberalidade pelo titular do patrimônio, porém, a ser verificado no momento da instituição do trust e da indicação dos beneficiários (não no momento da efetiva distribuição de ativos pelo trustee aos beneficiários).
Nesse sentido, o Fisco considerou, ainda, que o trustee recebeu os ativos apenas e tão somente para gestão em benefício dos beneficiários. Isto é, os ativos não compuseram, em nenhum momento, o patrimônio do trustee e, desse modo, considerando que os destinatários finais seriam os próprios beneficiários indicados pelo settlor no momento da instituição do trust, teria ocorrido uma doação do settlor para os beneficiários, com a gestão “intermediária” do trustee.
Sendo assim, a doação teria se configurado no momento da instituição do trust, com a transferência dos ativos pelo settlor ao trustee, em favor dos beneficiários (destinatários finais).
Com relação ao recolhimento de ITCMD, considerando a natureza jurídica de doação, para a SEFAZ-SP o imposto deve ser recolhido pelo Consulente no momento da instituição do trust, sob o fundamento de que, apesar do entendimento do STF exarado no Tema 825, o referido artigo permaneceria válido e vigente no ordenamento jurídico.
Essa interpretação da SEFAZ-SP representa clara afronta à decisão do STF, segundo o qual “é vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Não obstante essa discussão acerca da impossibilidade de incidência do ITCMD em relação a doações realizadas por não-residentes, também é questionável a posição do Fisco Estadual acerca do momento da incidência do imposto em planejamentos que envolvam trusts.
Nesse sentido, ainda que irrevogáveis, tais estruturas admitem que o settlor modifique os beneficiários do trust (que, não raro, nem mesmo têm conhecimento efetivo sobre sua condição como beneficiário de um trust) a qualquer tempo via atualização de Letter of Wishes, o que não foi levado em consideração pelo Fisco Estadual e, certamente, poderia gerar dúvidas acerca de nova incidência do ITCMD e disputa entre Estados, em caso de beneficiários domiciliados em Estados distintos.
Em que pese ser discutível a posição adotada, o Fisco Paulista andou bem ao reconhecer que as estruturas fiduciárias (tais como o trust) são, salvo exceções, implementadas com o objetivo de possibilitar a transmissão gratuita de bens e direitos, evento que, nos termos da Constituição, fica sujeito à competência tributária dos Estados (i.e., hipótese de incidência do ITCMD), não do Imposto de Renda, como equivocadamente manifestado pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta nº 41, de 2020.
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¹Para maiores referências sobre as principais características dos Trusts, confira nosso informativo.