Projeto de Lei nº 4.758/2020: Instituição do “Trust” no Brasil 

Usualmente utilizado como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório, especialmente em países de origem anglo-saxã, o trust permite que um indivíduo (settlor) transmita a propriedade de bens e direitos a um agente fiduciário (trustee), o qual, por sua vez, gere, administra e distribui esses bens em favor de beneficiários determinados ou determináveis (beneficiaries) ou do próprio settlor, nos termos e condições previamente estabelecidos em contrato (trust agreement/trust deed).

Não obstante a efetividade do instrumento e sua utilização por brasileiros que detêm patrimônio no exterior, até o momento o trust não possui previsão expressa na legislação brasileira como instituto jurídico. Essa vacância de tratamento gera insegurança jurídica para os brasileiros que desejam utilizar ou já utilizam a figura do trust, em especial no que se refere aos contornos tributários.

Para suprir a ausência de regramento no país, foi proposto o Projeto de Lei nº 4.758, de 2020 (“PL 4.758/2020 ou PL”) que visa introduzir o contrato de fidúcia com roupagem especial no direito brasileiro, figura inspirada no trust.

De acordo com o PL 4.758/2020, os bens ou direitos objetos da fidúcia constituirão patrimônio autônomo, afetado à finalidade estabelecida no ato constitutivo, de modo que deverão responder apenas pelas dívidas e obrigações a eles próprios vinculados. Em decorrência da afetação do patrimônio, o PL afasta, inclusive, a possibilidade de a propriedade fiduciária responder pelas dívidas do fiduciário, dos beneficiários e do fiduciante (i.e., o settlor), com exceção dos casos em que haja fraude. Não obstante, os créditos que antecedem a instituição do regime da fidúcia sobre os bens do devedor não se sujeitam às limitações impostas pela constituição da fidúcia. 

A segregação entre o patrimônio autônomo e patrimônio do fiduciário (administrador ou trustee) confere maior segurança jurídica ao instituto, semelhante ao que ocorre em outros países, bem como assegura que a transferência da propriedade dos bens aos beneficiários seja realizada quando do implemento da condição ou decurso do prazo estabelecido no ato constitutivo, ainda que o fiduciário esteja insolvente, falido, em liquidação ou recuperação judicial. O fiduciante pode, ainda, nos termos do PL, indicar protetor (protector) para o exercício de funções consultivas e fiscalizatórias junto ao fiduciário.

Além da segregação patrimonial, o PL prevê aspectos gerais importantes como a possibilidade de a fidúcia ser instituída por meio de contrato ou por ato unilateral (e.g., testamentos particulares ou públicos) e de ser revogável ou irrevogável. Ainda, prevê a possibilidade de estabelecer como beneficiários pessoas físicas e jurídicas e a de destituir da função o fiduciário que, por culpa ou dolo, frustrar a finalidade da fidúcia, bem como estabelece as hipóteses de extinção da fidúcia (vale dizer que a morte do fiduciário, caso seja pessoa física, não extingue os efeitos da fidúcia, salvo se o ato constitutivo assim o prever).

Interessante notar que, de acordo com o PL, as obrigações inerentes ao patrimônio fiduciário serão satisfeitas exclusivamente com os frutos e os rendimentos por ele produzidos ou com o produto da alienação dos bens ou direitos dele integrantes.

Por outro lado, apesar do grande passo dado para a instituição do trust no Brasil, o PL 4.758/2020 deixa de tratar sobre os aspectos tributários decorrentes da utilização do instituto, cenário em que as incertezas existentes relativas aos trusts instituídos no exterior persistiriam mesmo com a sua conversão em Lei (sem sanar as dúvidas que surgirão pelo uso do novo instituto), em especial acerca da incidência de tributos (e.g., ITCMD e Imposto de Renda) nos momentos (i) da transmissão de bens e direitos ao fiduciário, sob regime fiduciário, ou apenas (ii) de sua destinação aos beneficiários, ou em ambos; bem como no que se refere ao cumprimento de obrigações fiscais acessórias em relação ao “patrimônio autônomo”.

Recentemente, a Receita Federal do Brasil (“RFB”), por meio da Solução de Consulta n. 41 (“SC 41/20”), entendeu pela incidência de Imposto de Renda (às alíquotas progressivas de até 27,5%) nas distribuições realizadas por trustee residente no exterior  a beneficiários residentes fiscais no Brasil, sob o fundamento de que os valores recebidos seriam, na realidade, rendimentos ordinários oriundos do exterior, e que não se enquadravam como rendimentos de doação/herança (hipótese em que o acréscimo patrimonial seria isento de Imposto de Renda). Casos como esses precisam ser esclarecidos para o adequado funcionamento do trust e do instituto da fidúcia que se avizinha.

Não obstante, não se pode negar que o PL representa sensível avanço para o ordenamento jurídico brasileiro, que passaria a contar com valioso instrumento de gestão patrimonial e sucessória, conferindo maior flexibilidade e proteção aos indivíduos no tocante ao planejamento de sua sucessão, administração profissional do patrimônio e destinação de ativos a herdeiros e beneficiários, que poderá ser condicionada e/ou sujeita a termo.

O PL 4.758/2020 teve sua redação final aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 31.08.2022 e seguirá para análise e votação pelo Senado Federal, que poderá promover alterações em relação à versão aprovada pela Câmara dos Deputados.

Nossa equipe encontra-se à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente aos assuntos tratados neste informativo.

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.

Wealth Planning

Contate-nos: wealth.planning@cepeda.law

Setembro de 2022.