PL 4.173: Novidades na Tributação de Offshores e Aplicações no Exterior

Aspectos introdutórios

Na sequência da perda de eficácia da Medida Provisória nº 1.171, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.173 (“PL 4.173”) para, em linha com a referida Medida Provisória, alterar a legislação tributária aplicável à renda auferida pelas pessoas físicas em aplicações financeiras, entidades controladas (“Offshores”, tais como as private investment companies) e trusts no exterior, além de promover outras alterações na tributação dessas operações.

O presente material buscará apresentar as principais mudanças trazidas pelo PL 4.173 em relação ao texto original da MP 1.171, cujo texto foi esmiuçado em informativo próprio publicado à época da edição da MP 1.171, bem como em Live disponível no YouTube.

Nesse sentido, destaca-se que algumas alterações ao texto original da MP 1.171 já haviam sido introduzidas pela Comissão Mista de Deputados e Senadores responsável pela análise da Medida Provisória nº 1.172, em cujo texto a referida Comissão incorporou os dispositivos da MP 1.171 (posteriormente excluídos pela Câmara dos Deputados).

Segundo o governo federal, as alterações promovidas na legislação do Imposto de Renda da Pessoa Física (“IRPF”) pela MP 1.171 teriam por objetivo possibilitar, sob a perspectiva do orçamento público, a atualização da faixa de isenção da tabela progressiva mensal do referido imposto. Com a perda de eficácia da MP 1.171 e aprovação do ajuste da faixa de isenção do IRPF no âmbito do Projeto de Lei de Conversão da MP 1.172 (que implica renúncia fiscal), as atenções do governo federal se voltaram à instituição do come-cotas para os Fundos Fechados para compensar a perda de arrecadação decorrente da referida medida. Não obstante, a pretensão do governo federal é de que as duas medidas caminhem em paralelo para que sejam aprovadas ainda em 2023.

Aspectos estruturais e principais novidades em relação à MP 1.171

O PL 4.173 manteve a mesma sistemática de tributação dos rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de (i) aplicações financeiras, (ii) lucros e dividendos de entidades controladas e (iii) bens e direitos objeto de trust (“Aplicações no Exterior”), os quais passarão a ser computados em separado dos demais rendimentos e ganhos de capital na Declaração de Ajuste Anual (“DAA” ou “DIRPF”), ficando sujeitos a uma nova tabela de incidência do IRPF, no ajuste anual, sem aplicação de deduções da base de cálculo (“Tabela IRPF Exterior”):

  • 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$6.000,00;
  • 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; e
  • 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00.

É sabido que, no âmbito da tramitação da MP 1.171 no Congresso Nacional, diversas emendas foram apresentadas por Deputados e Senadores para manutenção das mesmas alíquotas hoje incidentes sobre os ganhos de capital auferidos em Aplicações no Exterior (i.e., 15% a 22,5%, a depender do montante do ganho).

Portanto, do ponto de vista estrutural, o PL 4.173 mantém, em grande medida as previsões contidas na MP 1.171, destacando-se, no que se refere às principais alterações, o seguinte:

Tema PL 4.173 Comentários
1. Variação cambial em relação a depósitos não remunerados O PL 4.173 passou a prever expressamente a não incidência do IRPF sobre a variação cambial apurada em relação a depósitos não remunerados e em cartão de débito e crédito no exterior. O governo federal já havia manifestado, por meio do Perguntas e Respostas à MP 1.171, que tais valores não ficariam sujeitos ao IRPF.
2. Conceito de aplicações financeiras O PL 4.173 incluiu, no conceito de aplicações financeiras no exterior, os “criptoativos” e as “carteiras digitais”.

 

O PL 4.173 também incluiu no conceito de aplicações financeiras as operações de crédito, inclusive mútuo de recursos financeiros, em que o devedor seja residente ou domiciliado no exterior.

Em determinadas hipóteses, pode-se argumentar a impossibilidade de definir a localização dos “criptoativos” (e.g., quando o titular realiza a custódia por conta própria), não existindo critérios claros e objetivos para tanto no PL 4.173.
3. Compensação do imposto de renda pago no exterior O PL 4.173 previu expressamente a possibilidade de a pessoa física deduzir do IRPF o imposto pago na origem dos rendimentos, desde que (i) a compensação esteja prevista em acordo internacional firmado pelo Brasil com o país de origem dos rendimentos; ou (ii) haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil. Já se discutida, quando da edição da MP 1.171, esta possibilidade, independentemente de previsão expressa.

 

Independe de comprovação acerca da existência de reciprocidade de tratamento a compensação de impostos recolhidos nos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.

4. Entidades com classes de cotas ou ações com patrimônios segregados O PL 4.173 introduziu previsão expressa quanto a se considerar, para fins de sua aplicação, cada classe como uma entidade separada, inclusive para efeitos de determinação da relação de controle. O governo federal já havia manifestado, por meio do Perguntas e Respostas à MP 1.171, que cada classe deveria ser tratada como uma entidade separada.
5. Controladas diretas e indiretas O PL 4.173 previu que ficarão sujeitas às regras de tributação anual automática os lucros auferidos por entidades direta ou indiretamente controladas pela pessoa física (i) que estejam localizadas em país com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; ou (ii) que apurem renda ativa própria inferior a 60% da renda total. Na prática, tal previsão significa que cada entidade será “testada” individualmente para fins de aplicação da regra (i.e., quanto à localização da entidade ou critério da renda ativa).

 

Ainda, isso significa que não haverá consolidação de resultados das controladas diretas e indiretas, de modo que os resultados de uma controlada indireta refletidos nas demonstrações financeiras de uma controlada direta serão excluídos para fins de determinação de seu lucro sujeito ao IRPF no Brasil e tributados em separado (se o caso).

6. Critério de renda ativa O PL (i) reduziu de 80% para 60% a proporção mínima de renda ativa para que uma entidade controlada não fique sujeita à tributação anual de seus lucros.

 

Adicionalmente, o PL (ii) previu que holdings no exterior que detenham participação em entidades operacionais (que apurem renda ativa própria superior a 60%) não terão seus lucros (compostos pelos dividendos pagos pela sociedade operacional e resultados de equivalência patrimonial) tributados automaticamente no Brasil.

 

Ainda o PL (iii) afastou a caracterização como entidade controlada sujeita à regra de tributação automática as entidades cujos resultados sejam compostos por aluguéis de imóveis, mas que exerçam, como atividade principal, a atividade comercial de incorporação imobiliária ou construção civil.

A MP 1.171 inovou (em relação às tentativas legislativas anteriores) ao introduzir critério de renda ativa para fins de aplicação da regra de tributação automática dos lucros de controladas no exterior (alternativamente à localização da entidade), agora reduzido pelo PL 4.173 de 80% para 60%.

 

Os ajustes promovidos pelo PL 4.173 em relação ao tema são importantes para que se evite aplicação da regra em relação a lucros operacionais e desestimule a expansão de determinados negócios no exterior.

 

 

 

7. Padrão contábil O PL 4.173 fixou expressamente que os lucros das controladas diretas e indiretas deverão ser apurados com base nos padrões contábeis da legislação comercial brasileira. Pode haver discussões acerca da eventual tributação de ganhos não realizados (i.e., de marcação de ativos a mercado), mas que tenham sido computados nos resultados da entidade.

 

Tal circunstância depende das características dos ativos investidos, devendo ser avaliado, cuidadosamente, o perfil de ativos investidos pela entidade para que se determine o tratamento contábil (cômputo diretamente no resultado ou conta de ajustes de avaliação patrimonial).

8. Tributação da variação cambial do “principal” aplicado nas controladas no exterior e tratamento dos lucros sujeitos à tributação automática O PL 4.173 previu expressamente que a variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior ficará sujeita ao Imposto de Renda no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento (inclusive por meio da devolução de capital) de acordo com as alíquotas progressivas de 15% a 22,5% (ref. ao regime de ganhos de capital) – não se aplicando a Tabela IR Exterior.

 

Adicionalmente, previu que os lucros das controladas sujeitos à tributação automática serão incluídos na ficha de bens e direitos da DIRPF como um “novo ativo” (como um crédito de dividendo a receber da controlada direta ou indireta).

A MP 1.171 previu, originalmente, que os lucros das entidades controladas que fossem tributados periodicamente deveriam ser incluídos na ficha de bens e direitos como custo de aquisição adicional do investimento – o que abria margem para uma possível tributação da variação cambial apurada entre a data da tributação dos lucros e a data de sua efetiva distribuição.

 

Com essa nova sistemática, restou esclarecido pelo PL que apenas a variação cambial decorrente do capital efetivamente aplicado na entidade ficará, potencialmente, sujeito à tributação (às alíquotas progressivas do regime de ganhos de capital), ficando isenta a variação cambial apurada quando da efetiva distribuição dos lucros tributados automaticamente.

9. Transparência fiscal da entidade controlada O PL 4.173 previu, alternativamente à tributação dos lucros das entidades controladas, a opção de declaração dos bens e direitos detidos pela entidade controlada como se fossem detidos diretamente pela pessoa física – espécie de regime de transparência fiscal.

 

A opção poderá ser exercida em relação a cada entidade controlada, direta ou indireta, separadamente, sendo irrevogável e irretratável durante todo o prazo em que a pessoa física detiver aquela entidade controlada.

 

Para entidades existentes, a opção será realizada na DIRPF a ser entregue em 2024, devendo a pessoa física, se o caso, substituir a participação na entidade pelos bens e direitos subjacentes, alocando o custo de aquisição para cada um desses bens e direitos proporcionalmente.

 

Como consequência, a pessoa física passaria a tributar a renda auferida em relação aos bens e direitos detidos pela entidade controlada pelas mesmas regras aplicáveis às aplicações financeiras (ou disposições específicas em relação aos demais bens e direitos) detidas diretamente pela pessoa física.

Na prática, esta opção poderia desestimular eventuais discussões acerca do cômputo de ganhos não realizados nos lucros das entidades controladas sujeitos à tributação automática, na medida em que permitiria à pessoa física, à sua escolha, optar por regime que implica tributação de ganhos e rendimentos com base no regime de caixa.

 

Outro aspecto importante, destacado em tópico específico abaixo, refere-se à inovação trazida pelo PL 4.173 quanto à possibilidade de compensação de perdas em aplicações financeiras com rendimentos de operações de mesma natureza.

10.  Compensação de perdas O PL 4.173 inovou, não apenas em relação à MP 1.171, mas também em relação à legislação até então vigente, ao permitir a compensação de perdas apuradas em aplicações financeiras com rendimentos de operações da mesma natureza.

 

Caso o saldo de perdas no período supere os ganhos, esta parcela poderá ser compensada com lucros e dividendos de entidades controladas no exterior que tenham sido computadas na DIPRF no mesmo período de apuração, podendo eventual parcela residual de tais perdas ser compensada com rendimentos apurados em períodos posteriores.

Trata-se de importante inovação que visa concretizar o princípio da renda líquida.

 

Não obstante, a restrição da compensação de perdas com rendimentos de “operações de mesma natureza” pode gerar dúvidas sobre a abrangência de tal direito (e.g., possibilidade de compensação de perdas apuradas em ativos de renda fixa com rendimentos de renda variável).

11.  Trust Irrevogável O PL 4.173 trouxe previsão no sentido de que, no caso de Trust Irrevogável, a transmissão do patrimônio afetado será reputada ocorrida em momento anterior à distribuição do patrimônio pelo Trust ou falecimento do instituidor (que é a regra geral).

 

Ainda, previu que o instituidor ou o beneficiário deverá requisitar ao trustee a disponibilização dos recursos financeiras e informações necessárias para viabilizar o pagamento do imposto e o cumprimento das demais obrigações tributárias no País.

 

Devem, também, providenciar, conforme o caso, no prazo de até 180 dias, contado da data da publicação da Lei, a alteração do Trust Deed ou da Letter of Wishes, para fazer constar redação que obrigue, de forma irrevogável e irretratável, o atendimento, por parte do trustee, das disposições estabelecidas pela Lei.

Não obstante a inovação trazida pelo PL 4.173 em relação ao texto original da MP 1.171, a referida antecipação da transmissão dos bens afetados ao Trust aos beneficiários (conforme ficção criada pelo PL) não endereça todas as críticas apresentadas durante a tramitação da MP 1.171, considerando que os beneficiários (que podem, inclusive, ser alterados/ removidos a qualquer tempo) não possuem disponibilidade sobre os recursos para cumprir com as obrigações tributárias que o PL 4.173 visa instituir.

 

Nesse sentido, o próprio texto prevê que o não atendimento da solicitação da requisição pelo trustee não afasta o dever de cumprimento das obrigações tributárias pelo instituidor ou beneficiário, o que, certamente, pode ser objeto de questionamentos.

12.  Atualização do valor dos bens e direitos no exterior O PL atualizou a data-base a ser considerada para fins de apuração do valor dos bens e direitos a serem atualizados (de 31.12.2022 – cf. MP 1.171 – para 31.12.2023), de modo que a opção deverá ser exercida em 2024 (na forma e no prazo estabelecidos pela RFB) e o imposto recolhido até 31.05.2024.

 

A cotação a ser utilizada para conversão dos valores para Reais será aquela divulgada pelo Banco Central do Brasil, para venda, do dia 31.12.2023.

 

No que se refere aos bens e direitos adquiridos com recursos originariamente auferidos em moeda estrangeira, o PL previu a possibilidade de atualização do custo dos ativos pela mesma cotação acima, de modo a se expurgar da apuração da base de cálculo do IR a variação cambial apurada entre sua data de aquisição e a data do exercício da opção.

Embora o PL tenha previsto a possibilidade de atualização do custo dos ativos adquiridos com recursos originariamente auferidos em moeda estrangeira, tal alternativa seria válida, em princípio, apenas para aqueles em relação aos quais a pessoa física formalizará a opção pela atualização e recolhimento antecipado do IR à alíquota de 10%.

 

Não obstante, é esperado que seja trazido no debate legislativo a possibilidade de atualização da variação cambial para todos os ativos que tenham a referida origem, independentemente da opção pela antecipação do IR.

 

Acompanharemos a evolução do PL 4.173 e suas discussões no Congresso para poder assessorar prontamente nossos clientes nos impactos por ele trazidos em relação aos seus investimentos, planejamentos e estruturas no exterior, inclusive no que se refere a alternativas a serem analisadas.

Nossa equipe encontra-se à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente aos assuntos tratados neste informativo.

 

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.

 

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