Alterações na tributação da renda auferida pelas pessoas físicas em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior: Medida Provisória nº 1.171/2023

Medida Provisória visa alterar a legislação tributária aplicável à renda auferida pela pessoa física em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior, além de promover outras alterações na tributação dessas operações

O governo federal publicou, em 30.04.2023, a Medida Provisória nº 1.171 (“MP 1171”), visando alterar a legislação tributária aplicável à renda auferida pela pessoa física residente no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior, inclusive em relação à variação cambial, além de promover outras mudanças tributárias relativas a essas operações.

 As alterações propostas implicam majoração da carga tributária aos investidores brasileiros pessoas físicas que aplicam recursos no exterior, diretamente ou por meio de suas entidades controladas, seja pela criação de novas hipóteses de incidência de imposto de renda da pessoa física (“IRPF”), seja pela revogação de normas já existentes.

 Importante destacar que a maior parte das alterações propostas na MP 1171, caso aprovadas e convertidas em lei, somente poderão resultar na cobrança de IRPF a partir do ano-calendário 2024, observados os princípios da anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal).

Adicionalmente, a MP 1171 altera o valor da tabela progressiva mensal do IRPF a partir do mês de maio do ano-calendário de 2023 para a sua primeira faixa, sujeita à isenção, que passa a ser de R$ 2.112,00, impactando a parcela a deduzir de todas as demais faixas.

Segue um resumo das medidas e primeiras considerações sobre o impacto de suas implementações.

 

1. Tabela de tributação diferenciada

Os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de (i) aplicações financeiras, (ii) lucros e dividendos de entidades controladas e (iii) bens e direitos objeto de trust (“Aplicações no Exterior”), devem, nos termos da MP 1171, passar a ser computados em separado dos demais rendimentos e ganhos de capital na Declaração de Ajuste Anual (“DAA” ou “DIRPF”), ficando sujeitos a uma nova tabela de incidência do IRPF, no ajuste anual, sem aplicação de deduções da base de cálculo:

  • 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$6.000,00;
  • 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; e
  • 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00.

 

 2. Aplicações financeiras no exterior

Sobre os rendimentos auferidos a partir de 01.01.2024 em aplicações financeiras no exterior pelas pessoas físicas residentes no Brasil, deverá ser aplicada a tabela diferenciada acima (“Tabela de Modalidades no Exterior”) e deverão ser consideradas as seguintes conceituações:

  • aplicações financeiras: “exemplificativamente, depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior” (“Aplicações Financeiras”); e
  • rendimentos: “remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior” (“Rendimentos”).

Os Rendimentos deverão ser computados na DAA e submetidos à incidência do IRPF no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, em decorrência do resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação das Aplicações Financeiras.

Os ganhos de capital percebidos pela pessoa física residente no País na alienação, na baixa ou na liquidação de bens e direitos localizados no exterior que não constituam Aplicações Financeiras (p.ex. decorrentes de imóveis) permanecem sujeitos às regras específicas de tributação atuais (“Tabela do Ganho de Capital”).

 

3. Entidades controladas no exterior

Assim como já foi tentado por meio da Medida Provisória nº 627, de 2013, e pelo Projeto de Lei nº 2.337, de 2021, o governo federal busca novamente instituir a tributação em bases universais da pessoa física em relação aos lucros auferidos por suas controladas no exterior, independentemente de sua efetiva disponibilidade.

Nesse sentido, foi proposto que os lucros apurados a partir de 01.01.2024 pelas entidades controladas no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil, desde que enquadradas nas hipóteses trazidas pela MP 1171, serão tributados em 31 de dezembro de cada ano pelo IRPF, nos termos da Tabela de Modalidades no Exterior, independentemente de sua distribuição.

Nos termos da MP 1171, entidades controladas são as sociedades e demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações, em que a pessoa física:

  • detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras partes, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou
  • possuir, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas (nos termos da MP 1171), mais de 50% de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.

Sujeitam-se à tributação anual instituída pela MP 1171 apenas as entidades controladas que se enquadrarem em uma das seguintes hipóteses (“Entidades Controladas Sujeitas ao IRPF”):

  • estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, de que tratam os art. 24 e art. 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; ou
  • apurem renda ativa própria (a MP 1171 expressamente prevê a exclusão, por exemplo, de royalties, juros, dividendos e ganhos de capital) inferior a 80% da renda total (somatório de todas as receitas, incluindo as não operacionais).

Ao contrário de outras tentativas de tributação desses lucros em bases anuais, independentemente da distribuição/disponibilidade do lucro, a MP 1171 estabelece a previsão de que também serão alcançadas as entidades que apurem renda ativa própria inferior a 80% de sua renda total (inovação em relação às propostas anteriores).

O lucro das entidades controladas sujeitas ao IRPF serão:

  • apurados de forma individualizada, em balanço anual da controlada no exterior, elaborado com observância aos princípios contábeis, de acordo com o disposto na legislação;
  • convertidos em moeda nacional pela cotação de fechamento do dólar dos Estados Unidos da América divulgada, para venda, pelo Banco Central do Brasil (“Bacen”), para o último dia útil do mês de dezembro;
  • computados na DAA, em 31 de dezembro do ano em que forem apurados no balanço, independentemente de qualquer deliberação acerca da sua distribuição, na proporção da participação da pessoa física no capital social da controlada no exterior, e submetidos à incidência do IRPF no respectivo período de apuração; e
  • incluídos na DAA, na ficha de bens e direitos, como custo de aquisição adicional do investimento e, quando distribuídos para a pessoa física controladora, reduzirão o custo de aquisição do investimento e não serão tributados novamente.

Poderão ser deduzidos:

  • do lucro da entidade controlada:
    • os prejuízos apurados em balanço, pela própria controlada, a partir da data em que preencher os requisitos de sua caracterização, desde que referentes a períodos posteriores à data de produção de efeitos da MP e anteriores à data da apuração dos lucros (esta regra demandará um controle detalhado dos prejuízos de cada período pelas pessoas físicas controladoras);
    • a parcela correspondente aos lucros e dividendos de suas investidas que sejam pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil; e
  • na determinação do imposto devido:
    • na proporção da participação da pessoa física no capital social, o imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas, incidente sobre o lucro computado na base de cálculo do IRPF, até o limite do imposto devido no Brasil.

Adicionalmente, serão tributados no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física residente no Brasil, de acordo com a Tabela de Modalidades no Exterior, os lucros apurados:

  • até 31.12.2023 pelas controladas no exterior de pessoas físicas residentes no Brasil, enquadradas ou não nas hipóteses de tributação anual; e
  • a partir de 01.01.2024 pelas controladas no exterior de pessoas físicas residentes no Brasil que não se enquadrarem nas hipóteses de tributação anual.

Para fins das hipóteses acima, consideram-se os lucros efetivamente disponibilizados para a pessoa física residente no Brasil:

  • no pagamento, no crédito, na entrega, no emprego ou na remessa dos lucros, o que ocorrer primeiro; ou
  • em quaisquer operações de crédito realizadas com a pessoa física, ou com pessoa a ela vinculada, se a credora possuir lucros ou reservas de lucros.

Ainda, determinou-se que a variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior, enquadradas ou não como Entidades Controladas Sujeitas ao IRPF, comporá o ganho de capital percebido pela pessoa física no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital.

 

4. Trusts no exterior

Embora a legislação brasileira ainda não preveja o instituto do trust – o qual já é objeto do Projeto de Lei nº 4.758, de 2020 (“PL 4.758”), e do Projeto de Lei Complementar nº 145, de 2022 (“PLP 145/22”), a MP 1171 busca regrar para fins tributários tanto esse instituto do exterior (sem fazer considerações sobre sua diferenciação como revogável ou irrevogável) quanto os bens e direitos por ele detidos.

Para tanto, estabelece a definição de trust, instituidor (settlor), administrador do trust (trustee), beneficiário (beneficiary), distribuição (distribution), escritura do trust (trust deed) e carta de desejos (letter of wishes).

Inicialmente, determina que os bens e direitos “objeto” de trust no exterior serão considerados como:

  • permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust; e
  • passando à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.  

Os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust auferidos a partir de 01.01.2024 serão:

  • considerados auferidos pelo titular de tais bens e direitos na respectiva data; e
  • submetidos à incidência do IRPF segundo as regras aplicáveis ao titular. 

Doação. A MP 1171 estabelece que eventuais distribuições realizadas pelo trust ao beneficiário, a partir de 01.01.2024, possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor.

Declaração dos bens e direitos. Os bens e direitos objeto do trust, independentemente da data da sua aquisição, deverão, a partir de 01.01.2024, em relação à data-base de 31.12.2023, ser declarados diretamente pelo titular na DAA, pelo custo de aquisição.

Essas disposições trazem grande impacto tributário para as pessoas físicas brasileiras que sejam instituidores ou beneficiários de trusts (e de seus bens e direitos), sendo relevante a avaliação sobre o uso do instituto no caso de aprovação da MP 1171.

 

5. Atualização do valor dos bens e direitos no exterior

A MP 1171 previu ainda a possibilidade de a pessoa física optar pela atualização do valor dos bens e direitos detidos no exterior que sejam informados em DAA para o seu valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, tributando a diferença positiva entre o referido valor de mercado e o seu custo de aquisição histórico pelo IRPF à alíquota de 10%.

De acordo com a MP, aplica-se a opção (também válida para bens e direitos sob titularidade de trusts) para:

(i)       as aplicações financeiras (conforme valor de mercado evidenciado em documento disponibilizado pela instituição financeira custodiante);

(ii)      bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis (conforme valor de mercado evidenciado em avaliação realizada por entidade especializada);

(iii)     veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária (conforme valor de mercado evidenciado em avaliação realizada por entidade especializada); e

(iv)     participações em entidades controladas (conforme o valor do patrimônio líquido proporcional à participação no capital social, ou equivalente, nos termos das demonstrações financeiras preparadas com observância aos princípios contábeis do País).

Para fins de apuração do valor dos bens e direitos em reais, o valor expresso em moeda estrangeira será convertido pela cotação de fechamento do dólar divulgada, para venda, pelo Banco Central do Brasil, para o último dia útil do ano-calendário de referência da atualização, de modo que os saldos tributados (i) serão considerados como acréscimo patrimonial na data em que houver o pagamento do imposto; (ii) serão incluídos na ficha de bens e direitos da DAA como custo de aquisição adicional do respectivo bem ou direito; e (iii) no caso de controladas no exterior, quando forem disponibilizados para a pessoa física, reduzirão o custo de aquisição do investimento e não serão tributados novamente.

A opção de atualização dos bens e direitos poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito detido no exterior, devendo o IRPF, calculado nos termos desta Seção, ser pago até 30 de novembro de 2023, conforme opção que será exercida na forma e no prazo estabelecidos pela Receita Federal do Brasil.

Por fim, para as controladas no exterior, a pessoa física que optar pela atualização de seu valor até 31 de dezembro de 2022 contará com opção adicional que consistirá na possibilidade de atualizar o valor de mercado das controladas até 31 de dezembro de 2023, o qual também ficaria sujeito à alíquota reduzida de 10%.

 

6. Alteração da tabela mensal do IRPF

A MP 1171 altera o valor da tabela progressiva mensal do IRPF a partir do mês de maio do ano-calendário de 2023 apenas em relação à sua primeira faixa, sujeita à isenção, que passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00, impactando a parcela a deduzir de todas as demais faixas.

Embora a MP 1171 não tenha sido publicada com sua “Exposição de Motivos”, o objetivo do governo federal com a instituição do conjunto de medidas deve ser o aumento da arrecadação para justificar a alteração do valor da faixa de isenção da tabela do IRPF.

Cumpre destacar que, embora os dispositivos que podem vir a aumentar a arrecadação federal entrarão em vigor somente em 2024 (desde que aprovada a MP 1171), o aumento da faixa de isenção da tabela do IRPF tem previsão para vigência imediata, em 01.05.2023, o que pode gerar um descompasso entre receitas e despesas da União.

 

7. Revogações relevantes

A MP 1171 revogou os seguintes dispositivos do art. 24 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001 (“MP 2157-35”):

(i)       o § 5º, o qual estabelecia sistemática diferenciada de apuração do ganho de capital na hipótese de bens e direitos adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira o que, na prática, implicava isenção de IRPF sobre ganhos com variação cambial; e

(ii)       o inciso I do § 6º, o qual estabelecia isenção de IRPF sobre os ganhos de capital apurados na alienação, liquidação ou resgate de bens, direitos e aplicações financeiras adquiridos na condição de não-residente.

Dessa forma, para aqueles bens e direitos que permanecerem sujeitos à Tabela do Ganho de Capital, conforme estabelecido pelo art. 24 da MP 2158-35, serão integralmente computados na apuração do IRPF os ganhos com variação cambial e aqueles apurados quando da alienação, resgate ou liquidação de bens, direitos e aplicações financeiras, ainda que adquiridos pela pessoa física na condição de não-residente. 

Acompanharemos a evolução da MP 1171 e suas discussões no Congresso para poder assessorar prontamente nossos clientes nos impactos por ela trazidos em relação aos seus investimentos, planejamentos e estruturas no exterior, inclusive no que se refere a alternativas a serem analisadas.

Nossa equipe encontra-se à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte relativamente aos assuntos tratados neste informativo.

 

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