Foi publicada em 12 de dezembro de 2024, a Lei 14.042, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), isto é, o mercado regulado de carbono no Brasil. Os esforços do governo são fruto dos compromissos assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris, que estabelecem uma ambiciosa meta de redução de até 67% nas emissões líquidas de gases de efeito estufa comparativamente a 2005.
A lógica do SBCE se baseará no sistema cap-and-trade, por meio do qual o governo estabelecerá um limite máximo de emissões de gases do efeito estufa (“GEE”) para determinadas atividades econômicas e atribuirá ou venderá cotas de emissão de gases de efeito estufa, denominadas Cotas Brasileiras de Emissões (CBE). Cada CBE permite um limite de emissão de até 1 tonelada de gás carbônico.
As empresas operadoras de instalações ou fontes associadas às atividades emissoras de GEE (a serem definidas pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima) que não atingirem suas metas de redução poderão adquirir CBE de outras, que estiverem abaixo dos limites de emissão.
A Lei também estabelece os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), que representam, cada, a redução ou remoção de 1 tonelada de gás carbônico por empresas, governos ou comunidades. Os CRVE serão emitidos de acordo com requisitos e os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de metodologias a serem estabelecidos pelo SBCE.
A implementação do SCBE dependerá completamente das diretrizes gerais a serem estabelecidas pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), bem como das normativas a serem granuladas pelo órgão gestor, instância executora do SBCE de caráter normativo, regulatório, executivo, sancionatório e recursal, ao qual competirá regular o mercado de ativos do SBCE, tendo em vista que a Lei discorre apenas sobre a governança e as competências do SBCE, mas nada dispõe sobre regras, requisitos, procedimentos, tampouco os próprios segmentos econômicos que se sujeitarão ao sistema.
Importante excetuar a produção primária agropecuária, bem como os bens, as benfeitorias e a infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados, que foram expressamente excluídos das obrigações impostas no âmbito do SBCE. A retirada do setor agropecuário do projeto de lei ainda é um tema que causa bastante controvérsia, já que o agronegócio é um dos principais pilares da economia e corresponde a cerca de 24%¹ do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
A Lei prevê que a implementação do SCBE será realizada de forma gradativa, com o primeiro ano de alocação de CBE e operacionalização dos primeiros leilões previstos para 2027, e um mercado completamente operacional previsto para 2030.
Não obstante tratar do mercado regulado, foi criada a definição de “crédito de carbono”, que representa a redução de 1 tonelada de gás carbônico obtido a partir de projetos ou programas de retenção, redução ou remoção de GEE, externos ao SBCE. Portanto, os créditos de carbono ficaram adstritos ao mercado voluntário, mas poderão ser convertidos em CRVE.
Por fim, a Lei prevê que a transferência internacional de resultados de mitigação, isto é, a comercialização internacional de créditos, deverá seguir os critérios e condições a serem estabelecidos pelos órgãos nacionais competentes, bem como dependerão das negociações entre os países signatários do Acordo de Paris.
Importante salientar que não pretendemos, com este Informativo, esgotar o tema, que possui uma dimensão imensa, mas apenas enfatizar os principais pontos de destaque atinentes ao mercado financeiro e de capitais.
Alçada de CBE, CRVE e créditos de carbono a valores mobiliários
Os ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono, quando negociados no mercado financeiro e de capitais, passam a ser classificados como valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.
Assim como nos demais capítulos, a Lei é sintética ao dispor sobre a dinâmica desses ativos no âmbito do mercado financeiro e de capitais, delegando à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a tarefa de estabelecer os registros e requisitos necessários para admissão desses ativos à negociação. Assim, caberá à CVM, ainda:
(i) determinar sobre a necessidade ou não de escrituração dos ativos integrantes do SBCE e créditos de carbono em instituições financeiras autorizadas;
(ii) exigir que os ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono negociados em mercado organizado sejam custodiados em depositário central;
(iii) dispensar, a seu critério, os registros de oferta e negociação dos ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono em bolsa; e
(iv) prever as regras informacionais aplicáveis aos ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono quando negociados.
CBE, CRVE e créditos de carbono como ativos de fundos de investimento
- Fundo de Investimento Financeiro (FIF)
A Resolução CVM nº 175, de 22 de dezembro de 2022 (“Resolução CVM 175”) antevendo a aprovação do Projeto de Lei que culminou na Lei 14.042, já havia definido, no Anexo Normativo I, que “créditos de descarbonização-CBIO” e “créditos de carbono” seriam considerados ativos financeiros, por natureza ou equiparação, desde que registrados em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM.
Nesse sentido, os FIF atualmente já podem realizar investimentos em CBIO, e, uma vez instituído o SBCE, já estarão automaticamente aptos a realizar investimentos em CBE e CRVE, observados, por certo, os limites de concentração atribuídos a cada público-alvo.
Importante ressaltar que os créditos de carbono do mercado voluntário que venham a ser registrados e negociados em entidades autorizadas pela CVM, se assim a CVM o permitir, também poderão integrar as carteiras de FIF.
- Fundo de investimento das cadeias produtivas do agronegócio – FIAGRO
A Resolução CVM nº 214, de 22 de dezembro de 2022, acrescenta à Resolução CVM 175 o Anexo Normativo IV, contendo regras específicas dos fundos de investimento das cadeias produtivas do agronegócio – FIAGRO, e está prevista para entrar em vigor em 03 de março de 2025. Tal Resolução distinguiu expressamente a definição de crédito de carbono prevista no Anexo Normativo I e propôs denominação de “crédito de carbono do agronegócio” àqueles elegíveis à carteira do FIAGRO.
As diferenças principais dos créditos de carbono do agronegócio são:
(i) possibilidade de aquisição de créditos originados e negociados no Brasil apenas (em contraste com os créditos de carbono permitidos à carteira do FIF, que podem ser originados negociados no exterior),
(ii) possibilidade de aquisição de crédito de carbono que sejam ativos não necessariamente equiparados a ativos financeiros (como é o caso do Anexo I); e
(iii) maior flexibilização no controle, tendo em vista que não há obrigação de negociação dos créditos de carbono do agronegócio em entidade autorizada pela CVM.
No entanto, conforme mencionado anteriormente, tendo em vista que a produção primária agropecuária foi excluída do SBCE, parte substancial dos créditos de carbono do agronegócio ficarão, invariavelmente, adstritos ao mercado voluntário.
Assim, A CVM se assegurou de implementar dois mecanismos de segurança: (i) o gestor fica obrigado a verificar a existência, integridade e titularidade dos ativos quando das diligências para sua aquisição; e (ii) o regulamento deve definir como o administrador exercerá controle sobre a titularidade dos créditos ao longo do funcionamento da classe de cotas, seja contratando um prestador de serviço ou exercendo o controle diretamente.
- Demais fundos de investimento
As outras modalidades de fundos de investimento ainda não possuem embasamento regulatório para aquisição de CBE, CRVE e créditos de carbono, inclusive os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Nesse sentido, tais ativos de carbono, apesar do nome, não possuem a natureza financeira dos direitos creditórios, conforme estabelecida na atual regulamentação.
Os fundos de investimento em participações podem, por sua vez, investir em companhias que estejam de alguma forma relacionadas aos mercados regulado e voluntário de carbono, incluindo o investimento em desenvolvedores de projetos, operadores, certificadores, consultorias, entre outros players.
Tributação de CBE, CRVE e créditos de carbono
O ganho decorrente da alienação de ativos de carbono será tributado pelo Imposto de Renda, de acordo com:
(i) nos casos dos desenvolvedores de ativos, o regime em que se enquadra o contribuinte;
(ii) nos casos de operações em bolsa e balcão, os ganhos líquidos;
(iii) nas demais situações, os ganhos de capital.
Poderão ser deduzidas da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com apuração no lucro real as despesas incorridas para a redução ou remoção de emissões de GEE vinculadas à geração dos ativos de carbono, e da base de cálculo do mesmo imposto ou do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) as despesas incorridas para a geração dos créditos de carbono, inclusive, em ambos os casos, os gastos administrativos e financeiros necessários à emissão, ao registro, à negociação, à certificação ou às atividades do escriturador.
O Brasil tem potencial para se tornar uma referência global no mercado de carbono, especialmente em projetos de carbono baseados na natureza, tendo em vista que sua matriz energética é predominantemente limpa. As oportunidades são inúmeras, assim como os desafios a serem enfrentados. A crise de credibilidade desse mercado, decorrente de escândalos recentes, ocasionados por fraudes, atividades ilegais, qualidade duvidosa e dupla contagem de créditos, levou à redução do número de projetos e encolhimento da demanda.
A criação do SBCE é um importante passo adiante, mas seu pleno funcionamento dependerá crucialmente do poder de articulação dos principais autores desse mercado, bem como definição de um ambiente técnico e regulatório eficazes.
Nossa equipe seguirá acompanhando a evolução das discussões a respeito do tema e encontra-se completamente à disposição para dirimir quaisquer dúvidas.
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