Dando continuidade às providências para melhor adequação de rotinas e procedimentos na indústria de fundos de investimento às recomendações de distanciamento social em função da pandemia da COVID-19 e em atenção a dúvidas apresentadas por participantes do mercado, a Superintendência de Relação com Investidores Institucionais (“SIN”) da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, em 26 de março de 2020, o Ofício-Circular/CVM/SIN nº 06/20 (“Ofício 06/20”) com orientações sobre a interpretação de alguns dispositivos regulatórios impactados pelo atual contexto social e de mercado.
I – Desenquadramento Passivo
A SIN reconhece que o cenário de instabilidade e alta volatilidade do mercado poderá resultar no desenquadramento com relação aos limites de concentração, tanto por ativo quanto por emissor, aplicáveis aos fundos de investimento, sendo que tais situações deverão ser tratadas como desenquadramentos passivos, sujeitos ao disposto no art. 105 da Instrução CVM nº 555.
Em função da imprevisibilidade quanto à estabilização do mercado, o Ofício estabelece, ainda, que na impossibilidade de reenquadramento dentro do período de 15 (quinze) dias estabelecido pela Instrução CVM nº 555, não haveria justa causa para a adoção de medidas sancionadoras contra o gestor e administrador do fundo de investimento relativamente ao período de caracterização de desenquadramento passivo e inviabilidade de reenquadramento, enquanto durarem os fatores excepcionais que inicialmente causaram o desenquadramento.
Ressaltamos, contudo, que os casos de desenquadramento deverão continuar sendo reportados pelo administrador à CVM no prazo de 15 (quinze) dias, que avaliará as circunstâncias envolvendo cada caso. Desta forma, é fundamental que gestor e administrador permaneçam realizando todas as diligências necessárias para acompanhamento da carteira e reenquadramento do fundo de investimento no menor tempo possível, e que o gestor se abstenha de realizar quaisquer operações que possam agravar o desenquadramento ocorrido.
Este mesmo racional será aplicado a todos os tipos de fundos, ainda que não regidos pela Instrução CVM nº 555, no que aplicável, observadas a natureza e características de liquidez dos ativos envolvidos na avaliação do prazo de reenquadramento das carteiras respectivas.
II – Cálculo de Cota
Os fundos de investimento com liquidez intraday, que preveem o pagamento de resgates em D+0 e processamento ao longo do dia, poderão, enquanto perdurar o cenário de extrema volatilidade, alterar a metodologia de cálculo de “cota de abertura” para “cota de fechamento”.
Esta exceção é uma demonstração de atenção do regulador às dificuldades operacionais do momento, decorrentes não somente da alta volatilidade do mercado, mas também do cenário de implementação massiva de planos de contingência.
A alteração temporária de “cota de abertura” para “cota de fechamento” dependerá de divulgação de fato relevante informando aos cotistas sobre a temporária restrição operacional enfrentada pelo fundo, sem, contudo, acarretar qualquer modificação em seus regulamentos.
III – Assembleia Geral de Cotistas
A SIN considera justificável, dentro das circunstâncias atuais e de forma extraordinária, a flexibilização de procedimentos relacionados às assembleias gerais de cotistas, uma vez que a realização destas reuniões pode ir contra as determinações do Ministério da Saúde e recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Desta forma, além da prorrogação de prazos para a realização de assembleias de fundos de investimento, conforme estabelecido na Deliberação CVM 848, divulgada em 25 de março de 2020 (https://cepeda.law/blog/prorrogacao-de-prazos-previstos-na-regulamentacao-da-cvm/), a CVM admite que neste período sejam canceladas ou adiadas assembleias gerais, convocadas ou não, em casos nos quais não seja possível sua realização de forma remota ou virtual, sendo aceitos procedimentos alternativos para a realização de assembleias, ainda que não previstos expressamente nos respectivos regulamentos.
Divulgaremos brevemente um informativo específico tratando sobre as alternativas para a realização de assembleias gerais de cotistas durante este período.
IV – Troca de documentos entre prestadores de serviços
A SIN esclarece que não há na regulamentação dispositivos que obriguem a troca de documentos originais ou vias físicas entre prestadores de serviços de fundos de investimento.
Desta forma, procedimentos como cadastro de cotistas, ou a substituição dos prestadores de serviços de administração, gestão ou custódia, poderão ser conduzidos com base em cópias digitalizadas de documentos julgados necessários pelos prestadores envolvidos, ficando a entrega dos documentos em vias físicas, caso ainda necessários, para momento mais oportuno.
Embora não tenha sido abordado pelo Ofício, entendemos que os procedimentos de recebimento, pelo custodiante, de documentos comprobatórios de lastro de direitos creditórios adquiridos por fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDC”), poderão ser afetados.
A Instrução CVM nº 356 estabelece como responsabilidade do custodiante o recebimento e guarda dos documentos comprobatórios de lastro, assim entendidos aqueles necessários e suficientes para a realização de cobrança judicial ou extrajudicial dos créditos adquiridos. Desta forma, a depender da natureza do crédito, e do meio utilizado para sua formalização, poderá ser necessária a entrega e guarda de documentos originais.
Neste sentido, destacamos que não houve, até o momento, qualquer dispensa ou orientação da CVM sobre este tema específico, sendo que as alternativas para assegurar tanto o cumprimento das responsabilidades do custodiante, quanto a manutenção da segurança dos colaboradores envolvidos, deverão ser avaliadas caso a caso.
V – Provisionamento de direitos creditórios
O Ofício esclarece que atrasos no pagamento ou renegociação de direitos creditórios detidos por FIDC não implicam, necessariamente, em redução no valor recuperável dos ativos que acarrete a necessidade de provisionamento com relação a tal ativo, especialmente quando em razão de condições anormais de mercado.
Não obstante, o administrador do FIDC deverá avaliar todos os fatos e circunstâncias envolvendo o atraso no pagamento ou renegociação, para que a eventual provisão não seja aplicada tardiamente quando houver efetiva alteração da expectativa de perda relativamente aos créditos.
Nossa equipe se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte na interpretação do Ofício 06/20[1] ou de outros dispositivos regulatórios cuja aplicação possa sofrer impactos relacionados à adoção de medidas de contenção da pandemia do COVID-19.
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Março/2020
[1] Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-0620.html