A Comissão de Valores Mobiliários – CVM publicou, em 14 de dezembro de 2018, o Ofício-Circular nº 4/2018-CVM/SMI (o “Ofício”), trazendo uma série de esclarecimentos sobre as interpretações da SMI em relação aos limites de atuação dos agentes autônomos de investimento (o(s) “AAI”(s)) previstos na Instrução CVM nº 497/2011 (“ICVM 497”), com recomendações bastante relevantes tanto para os AAIs quanto para os intermediários que os contratam.
O Ofício é dividido em duas grandes seções, uma para os AAIs e outra para os intermediários que os contratam, com subseções dentro de cada. Alguns dos esclarecimentos trazidos pelo Ofício demandarão ações dos AAIs e intermediários, que devem se atentar a tais recomendações. Para tanto, trazemos abaixo um resumo crítico dos principais entendimentos emanados pela SMI em relação à ICVM 497, organizados por grupo de assuntos, com a indicação dos respectivos itens do Ofício ao qual se referem. Vale notar que os itens abaixo não necessariamente seguem a ordem do Ofício, eventualmente acumulando alguns assuntos dispersos em um mesmo item, e também não cobrem todos os itens do Ofício. Os itens não mencionados neste informativo são aqueles cujo texto não demandam interpretações ou opiniões adicionais.
Os ofícios-circulares publicados pela CVM tem grande utilidade para o mercado, pois demonstram a visão das Superintendências da CVM em relação à interpretação das normas por ela expedidas. Do ponto de vista legal, tais ofícios não contam com caráter vinculante e demonstram a visão da Superintendência respectiva em relação a determinadas normas – cabendo sempre ao Colegiado da CVM decidir e vincular, se for o caso, as interpretações de tais Superintendências aos casos concretos que lhe são apresentados. Ou seja, o Ofício é uma forte indicação de limites recomendados aos AAIs pela Superintendência que os fiscaliza, mas determinadas posições ali contidas podem ser contrariadas pelo Colegiado da CVM. Independentemente das questões jurídicas por trás da força legal do Ofício, é de extrema relevância o entendimento das interpretações da SMI nele emanadas, sobre o que passamos a discorrer neste informativo.
1. ORIENTAÇÕES AOS AAIS
1.1. QUESTÕES ORGANIZACIONAIS
a) Nome Fantasia (itens 5 a 8)
A SMI entende que todas as empresas de AAIs devem contar com a expressão “Agentes Autônomos de Investimento” em seu nome fantasia, e que não deve ser utilizado nome fantasia que dificulte a compreensão sobre a identidade/razão social da sociedade. Este último ponto significa não adotar nome fantasia discrepante da efetiva razão social da sociedade, conforme exemplo trazido pelo item 7 do Ofício.
b) Sociedades Simples (itens 9 a 15)
A SMI apontou a existência de diversas sociedades de AAIs registradas como sociedades empresárias, sendo exigência da ICVM 497 que estas sejam constituídas como sociedades simples. Como forma de solução, atribuiu à ANCORD a necessidade de verificação do tipo societário quando do credenciamento de sociedades de AAIs, bem como estabelece o prazo de 01/07/2019 como prazo final para adaptação dos tipos societários dos AAIs atualmente credenciados como sociedade empresária, sob pena de cancelamento do credenciamento.
c) Empresas Individuais (itens 16 e 17)
A SMI manifestou entendimento de que não é possível que uma “firma individual” de AAI tenha o tipo societário da EIRELI, pois é exigência da ICVM 497 que não haja limitação de responsabilidade do sócio da empresa de AAI. Recomenda, assim, que tais sociedades sejam constituídas sob o registro de “empresário individual”.
d) Local de Registro do Contrato Social e Código CNAE (itens 18 a 21)
A SMI demonstrou seu entendimento de que (a) as sociedades de AAIs devem ser registradas em Registro Civil de Pessoas Jurídicas, e não em Junta Comercial, e (b) o Código CNAE 66.12-6-05 seria o “mais afeito” às atividades de AAI.
e) Filiais e Sócios em Outras Localidades (itens 23 a 30)
Em relação às filiais de sociedades de AAIs, bem como à existência de sócios de sociedades de AAI, a SMI manifestou entendimentos sobre a necessidade de formalização das filiais em contratos sociais, bem como a necessidade de controles, inclusive do intermediário, sobre as atividades de tais filiais e de sócios que não atuem na mesma localidade da sede.
f) Atuação de AAI fora do Contrato Social (itens 57 a 59)
A SMI endereçou questão bastante típica à vida dos AAIs – o que pode fazer o AAI “contratado” por uma sociedade, mas que que ainda não entrou no contrato social da sociedade tendo em vista os trâmites para seu registro? Conforme recomendado pela SMI, em tais casos, esta entenderá como regular a atuação do AAI no período em que o AAI ainda não entrou no contrato social da sociedade, desde que este tenha sido contratado pelo intermediário como pessoa natural.
g) Contratação de Funcionários (itens 75 a 79)
A SMI reconheceu a possibilidade de contratação por sociedades de AAIs, como funcionários em regime trabalhista, de profissionais para as atividades de marketing, administrativo/financeiro, compliance, TI, limpeza, copa e segurança. Embora tais possibilidades pareçam óbvias, já que a ICVM 497 exige que sejam sócios aqueles que prestarão as atividades finais da sociedade, tal esclarecimento é importante para que seja pacificado tal entendimento entre os intermediários.
1.2. QUESTÕES COMERCIAIS
h) Utilização do termo “Assessor de Investimentos” (itens 36 a 41)
A SMI reconhece que não enxerga irregularidades no uso do termo “assessor de investimentos” ou “assessoria” pelos AAIs, o que certamente é um reconhecimento de grande valia aos participantes do mercado. Nos itens 36 a 41 do Ofício, a SMI versa sobre o assunto e traz observações importantes sobre tal nomenclatura, dando ênfase à questão da ausência de independência do AAI, que deve ser sempre demonstrada ao investidor final. Nesse sentido, os itens 42 e 43 do Ofício também trazem grande peso à seriedade e boa fé na prestação de informações pelo AAI aos seus clientes em relação aos produtos que oferece.
i) Distribuição de Produtos Típicos e Atípicos (itens 35 e 60 a 66)
Em relação aos produtos que podem ser distribuídos pelos AAIs, a SMI manifestou seu entendimento sobre alguns deles:
(i) O AAI apenas pode distribuir valores mobiliários que sejam distribuídos pelo intermediário contratante. Nestes casos, os produtos emitidos no exterior deveriam estar disponíveis na prateleira do intermediário no Brasil para que pudesse ser distribuído por um AAI. Considerando que apenas emissores registrados na CVM podem ter os valores mobiliários que emitem ofertados no Brasil, não há possibilidade de distribuição, por AAIs, de valores mobiliários de emissão no exterior.
(ii) Valores mobiliários, exceto cotas de fundos de investimento, contam com a exclusividade com o intermediário. Por outro lado, os títulos de renda fixa não considerados valores mobiliários podem ser ofertados sem exclusividade, sendo estritamente necessário o controle e monitoramento dos processos de venda de quaisquer destes ativos aos clientes.
j) Expressões Vedadas (item 80)
A SMI reforçou o banimento de diversas expressões constantes na ICVM 497 (como parceria, associada ou afiliada) para descrever a relação entre o AAI e a instituição da qual é preposto. Embora a ICVM 497 já tenha trazido tais vedações como expressas, a SMI manifestou que tal prática ainda não foi completamente extinta pelo mercado, dando margem a processos sancionadores.
1.3. CONFLITOS DE INTERESSE
k) Coexistência de Atividades Reguladas / Sociedades em Comum / “Grupos” (itens 31 a 34, 44, 50 a 53)
A SMI se manifestou sobre algumas questões bastante sensíveis em relação à atuação dos AAIs e à existência de outras atividades ao seu redor. No entendimento da SMI:
(i) Conforme as instruções da CVM, não é possível que uma mesma pessoa conte com autorizações de AAI, analista, consultor de investimentos ou administrador de carteiras, devendo o profissional optar por um dos registros;
(ii) A SMI admite ser possível que AAIs sejam sócios de outras empresas reguladas, como empresas de análise, consultoria ou administração de carteiras, sendo necessária forte segregação de atividades e mitigações de conflitos de interesse oriundos de tal participação. Nesse sentido, a SMI manifestou que, em inspeções futuras, priorizará a supervisão daqueles que se encontram em tal situação e que espera dos intermediários análise criteriosa das sociedades de AAI que nela se enquadrem. Vale ressaltar, neste ponto, que é plenamente possível que os conflitos de interesse oriundos destas participações “cruzadas” sejam completamente mitigados, através de políticas robustas de compliance;
(iii) A SMI não enxerga quaisquer conflitos caso os AAIs sejam também sócios de empresas de corretagem de seguros e de treinamento, desde que (i) haja total segregação de atividades, e (ii) não haja qualquer tipo de prospecção de clientes para o AAI quando do exercício de tais atividades, devendo tal prospecção ser realizada exclusivamente por AAIs;
(iv) A SMI manifestou entendimento de que uma sociedade de AAI não deve se apresentar como parte de grupo econômico ou sendo controlado por uma holding (o que é juridicamente impossível). Além disso, classifica como mais grave a situação em que em tal “grupo” se encontrem casas de consultoria, análise ou gestão de recursos. Para arrematar, também critica o uso de nomenclaturas ou identidade visual em comum que possa levar o investidor ao erro.
Este ponto não poderia ser mais importante. Em primeiro lugar, é importante notar que a base legal da SMI para tais entendimentos refere-se a artigos da ICVM 497 que limitam o objeto social do AAI e também quem pode ser seu sócio (apenas AAIs). Sob tais bases, é realmente vedado que uma sociedade de AAI participe diretamente de outra sociedade, ou que tenha sócios não AAIs, não sendo possível falar em controladas ou holdings. No entanto, conforme a própria SMI manifestou nos itens 33 e 34 (e descrito no sub-item (ii) acima), é possível que o AAI pessoa física seja sócio de outras sociedades reguladas como administradores de carteira, consultores e casas de análise.
Comparando as recomendações relativamente discrepantes da SMI nos itens 33 e 34 e nos itens 50 a 53, fica a dúvida: como tratar a questão da identidade visual na situação de AAIs sócios de uma sociedade de AAI e também de gestoras de recursos, por exemplo? Por que, neste caso, não tratá-los como grupo (como efetivamente o é), com as devidas segregações?
Partindo da premissa de que tais sociedades sejam estritamente segregadas e que os conflitos de interesses sejam inteiramente mitigados, não seria mais importante a transparência dessa relação? A adoção de nomes fantasias, identidades visuais ou logomarcas diferentes, como recomendado pela SMI, não tenderia a diminuir a transparência necessária a esta realidade? Naturalmente restrito à situação de umcompliance efetivo e com as devidas barreiras de segregação, nos parece mais transparente que seja assumida a relação societária comum perante o cliente, com os devidos avisos sobre a atividade de cada um e até com a adoção de uma identidade visual comum, respeitados os limites de nomenclatura das normas e a total transparência na comunicação.
Este ponto ainda merece discussões, tanto pelo caráter não vinculante do Ofício quanto pela necessidade de exploração das possibilidades existentes para aqueles que adotam regras efetivas de compliance e segregação. O Ofício parece não tratar das situações regulares, em que todas as regras de segregação sejam cumpridas, e por isso é importante que a necessidade de aplicação de tais recomendações seja avaliada caso a caso. A indústria de AAIs já sofre com diversas restrições aplicáveis a todos em razão do mau comportamento de alguns. É essencial que esta recomendação da SMI não traga o mesmo efeito.
l) Planejador Financeiro – CFP (itens 45 a 49)
A SMI manifestou entendimento de que não seria aceitável que AAIs se apresentem como planejadores financeiros. Em seu entendimento, a SMI aproxima o planejamento financeiro (credenciado pela Planejar / CFP) à consultoria de valores mobiliários e foca na ausência de independência do AAI para tanto.
No entanto, o planejamento financeiro não necessariamente se estende até a recomendação de investimentos. Muitas vezes, esta atividade se restringe a planejamento de gastos e reorganização financeira, sem que haja qualquer recomendação de utilização de poupança (como por exemplo, aqueles que ajudam clientes a sair de dívidas). Neste sentido, é compreensível a visão da SMI de que o AAI não deve atuar como planejador financeiro em relação aos investimentos de seus clientes – o que o aproximaria do consultor, o que lhe é vedado. No entanto, para o planejamento que não chega às discussões de como poupar, não deveria haver conflito em tal atividade. Vale lembrar, no entanto, que como sociedades de AAIs tem objeto social exclusivo, tal atividade deveria ser praticada através de pessoas jurídicas diferentes.
m) Contratação de Serviços Regulados (item 54)
A SMI reconhece que não é admissível que o AAI contrate serviços de análise, gestão ou consultoria por conta própria, para repasse de informações a seus clientes. No entanto, no caso de prévia e expressa aprovação do intermediário, tal contratação é vista como possível.
2. ORIENTAÇÕES AOS INTERMEDIÁRIOS
Em relação às orientações aos intermediários, a SMI repisa alguns pontos bastante relevantes em relação ao que espera dos intermediários na supervisão dos AAIs, quais sejam:
(i) A fiscalização e diligência do intermediário deve ser constante e periódica, e não apenas quando da ocorrência de irregularidades ou reclamações feitas por investidores. A fiscalização a priori é justamente a que ajuda a evitar tais irregularidades, e é indispensável que seja feita de forma recorrente pelos intermediários;
(ii) Os intermediários devem tomar precauções diretas e indiretas para que o investidor não forneça sua senha ao AAI, sendo a precaução direta o aviso e orientação expressa de que a senha é de uso pessoal e intransferível, não devendo ser compartilhada nem com o próprio AAI, e a precaução indireta a verificação tecnológica (via IP) das ordens recebidas, se do IP do investidor ou do AAI, bem como o monitoramento do volume de transações feitas pelos investidores de forma preventiva.
(iii) O site dos AAI deve ser periodicamente revisado pelo intermediário, não bastando sua revisão apenas quando da contratação, reforçando que o dever de diligência e fiscalização do contratante deve ser sempre observado, e não apenas no momento da contratação de novos AAIs.
(iv) A falha na verificação de ordens será sempre atribuída aos intermediários, salvo raras exceções de atuação dolosa do AAI cuja fiscalização seja impossível. Assim, a SMI reforça o nível de responsabilidade dos intermediários em relação à conduta dos AAIs, dando especial atenção ao registro de ordens como fator determinante de responsabilização do contratante.
(v) Instituições financeiras que não constem como participantes do sistema de distribuição de valores mobiliários poderão contratar AAIs caso cadastrem-se como tal perante as CVM, excetuadas as cooperativas de crédito.
(vi) Mesmo em casos de contratação de sociedades de AAI com restrição de sócios atuantes, o intermediário deverá sempre listar em sua página da internet o nome de todos os sócios das sociedades contratadas.
(vii) A SMI também reforça o canal e a obrigação de comunicação de irregularidades dos intermediários em relação aos AAIs que contrata, ressalvando que tais comunicações não devem mais ser enviadas à ANCORD.
Finalmente, vale comentar dois pontos adicionais do Ofício. O primeiro é o fato de que a SMI, durante todo o Ofício, trata os clientes do AAI como “seus clientes”, o que contrasta com as colocações da CVM quando da publicação da ICVM 497 de que o “cliente é do intermediário”. Além disso, a SMI também informou que está desenvolvendo canal de denúncias anônimas para os AAIs, em razão da preocupação demonstrada pelos AAIs em relação a eventuais denúncias sobre o intermediário contratante.
Nossa equipe se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou discussão sobre o Ofício, inclusive para prestar suporte no processo de adaptação de processos internos e de tipos societários exigidos pelo Ofício.
Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.