A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) editou e publicou, nas últimas semanas, novas normas que regulamentam as mudanças promovidas pela Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017 (“Lei nº 13.506”), a qual dispõe sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação da CVM e do Banco Central do Brasil.
A primeira delas, a Instrução CVM nº 607, foi publicada em 17.06.2019 (“ICVM 607”) e dispõe sobre a atuação sancionadora da CVM, especialmente em relação aos ritos aplicáveis aos processos administrativos sancionadores (“PAS”).
Posteriormente, em 25.06.2019, foram publicadas as Instruções CVM n.ºs 608 e 609 (“ICVM 608” e “ICVM 609”), que alteram e consolidam o regime de multas cominatórias e, também, a Deliberação CVM n.º 819 (“Deliberação 819”), que atualizou o procedimento para apresentação de recurso ao Colegiado contra decisões proferidas pelos superintendentes da CVM.
Neste alerta, apresentaremos as mudanças estabelecidas por tais normas que entendemos ser de maior relevância para o mercado.
I. Mudanças promovidas pela ICVM 607
• Discricionariedade das Superintendências quanto à adoção de medidas sancionadoras
Em linha com o disposto na Lei nº 13.506, a ICVM 607 estabelece como prioridade da própria CVM a apuração de infrações de natureza grave, cuja aplicação da respectiva penalidade seja capaz de proporcionar maior efeito educativo e preventivo aos participantes do mercado.
Nesse sentido, foram estabelecidos pela ICVM 607 os parâmetros pelos quais as superintendências da CVM deverão se basear na análise da relevância e expressividade da conduta ou ameaça de infração administrativa por um participante investigado, com destaque aos seguintes: (i) a expressividade de valores relacionados à conduta e dos prejuízos causados a investidores e demais participantes do mercado, (ii) o impacto da conduta na credibilidade do mercado de capitais, e (iii) a regularização da suposta infração pelo participante em questão, bem como o ressarcimento dos investidores lesados.
A partir da referida avaliação e, com base nas informações obtidas pelas superintendências no âmbito de suas respectivas competências quanto à investigação de infrações administrativas pelos agentes e demais participantes do mercado, estas poderão, ou não, lavrar termos de acusação ou instaurar inquéritos administrativos em relação ao participante investigado, conforme as faculdades previstas para tanto no art. 4º da ICVM 607.
• Infrações de menor grau de complexidade
A partir da edição da ICVM 607, determinadas infrações administrativas consideradas de menor complexidade, i.e., que não exigem a observância do processo de produção de provas aplicável ao rito ordinário, estarão sujeitas ao rito simplificado do PAS, conforme dispostas no Anexo 73 da referida ICVM 607.
Dentre as infrações administrativas sujeitas ao rito simplificado, destacamos: (i) a inobservância, pelos administradores de fundos de investimento, (a) do envio de informações periódicas dos respectivos fundos, (b) do prazo para convocação das assembleias gerais de cotistas dos fundos, (c) do prazo para envio das deliberações tomadas nas referidas assembleias gerais (conforme o caso), e (ii) o exercício irregular da atividade de administração de carteiras de valores mobiliários sem o prévio registro junto à CVM, nos termos da Instrução CVM nº 558, de 26 de março de 2015, e alterações posteriores.
A adoção do rito simplificado do PAS, nas palavras da CVM[1], visa otimizar a atividade sancionadora pela autarquia, simplificando o processo de apuração das responsabilidades aplicáveis às infrações previstas no referido Anexo 73 da ICVM 607.
• Critérios para dosimetria das penas e fixação das multas
A principal inovação trazida pela ICVM 607, em nosso entendimento, trata-se do estabelecimento dos critérios para dosimetria das penas e fixação das multas aplicáveis às infrações praticadas pelos participantes e demais agentes do mercado, conferindo maior grau de objetividade no estabelecimento das penas aplicáveis aos participantes do mercado diante de uma infração administrativa apurada pela CVM.
Em se tratando de penas-base de multa, o Colegiado não poderá fixar valor que exceda o maior dentre: (i) R$ 50 milhões, (ii) o dobro do valor da emissão ou da operação irregular, (iii) 3 (três) vezes o valor da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência da infração, e (iv) o dobro do prejuízo causado aos investidores; exceto, no entanto, se houver conduta reincidente do infrator, caso em que o valor da multa poderá ser estabelecido em até o triplo dos valores descritos acima.
No entanto, caso a pena-base de multa fixada pelo Colegiado seja estabelecida conforme o critério de até R$ 50 milhões de reais, ora mencionado acima, então o valor da pena-base deverá observar o disposto no Anexo 63 à ICVM 607, que estabelece os limites em reais (R$) das multas aplicáveis para cada grupo de infrações ali descritas.
Adicionalmente e, de acordo com o disposto no art. 60 e seguintes da ICVM 607, após fixar a pena-base em relação a uma infração administrativa (com exceção das penalidades de advertência), o Colegiado deverá aplicar as circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como eventual causa de redução de pena, nessa ordem[2].
Dentre as circunstâncias agravantes dispostas pela ICVM 607, destacam-se: (i) a prática sistemática ou reiterada da conduta irregular, (ii) o elevado prejuízo causado, (iii) a existência de dano relevante à imagem do mercado de valores mobiliários ou do segmento em que o acusado atua, e (iv) a violação de deveres fiduciários decorrentes do cargo, posição ou função que o acusado ocupa.
Já com relação às circunstâncias atenuantes, destacam-se: (i) a confissão do ilícito ou a prestação de informações relativas à sua materialidade, (ii) a regularização da infração, e (iii) a adoção efetiva de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denuncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta por acusado que seja “pessoa jurídica”, conforme a avaliação de entidade pública ou privada de reconhecida especialização.
As penas-base estabelecidas pelo Colegiado poderão implicar, após a verificação de existência de agravantes e/ou atenuantes, no acréscimo ou redução de até 25% (vinte e cinco por cento) da respectiva pena por cada agravante ou atenuante (conforme o caso).
Vale ressaltar que, caso o dano financeiro seja integralmente reparado pelo acusado até o julgamento do respectivo PAS pelo Colegiado da CVM, a pena até então estabelecida poderá ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).
Ainda, a ICVM 607 estabeleceu que o Colegiado deverá considerar na dosimetria as demais sanções já aplicadas ao acusado em caráter definitivo pelas demais autoridades, desde que relativas aos mesmos fatos tratados no processo em questão.
• Acordos de Supervisão
Ainda, em atenção ao disposto na Lei nº 13.506, a ICVM 607 também regulamentou a possibilidade de celebração de acordos pela CVM em processos de supervisão na esfera administrativa (“Acordos de Supervisão”). Tais Acordos de Supervisão poderão ser celebrados à critério da CVM, e desde que os participantes em questão venham a confessar a prática de infração administrativa, bem como se comprometam a cooperar em caráter permanente para a apuração dos fatos.
Atendidos os requisitos estabelecidos no art. 92 da ICVM 607, o Acordo de Supervisão celebrado poderá resultar na extinção da ação punitiva à infração em questão ou redução de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável ao respectivo participante, mas não o eximirá de reparar integralmente o dano porventura causado pela sua conduta.
• Outras disposições relevantes
Por fim, a ICVM 607 estabelece que, a partir de sua vigência, o Termo de Compromisso poderá ser celebrado antes ou durante a fase de apuração preliminar dos fatos pelas superintendências. O Colegiado da CVM considerará, ao deliberar sobre uma proposta de Termo de Compromisso, dentre outros elementos, a conveniência na celebração do referido Termo, os antecedentes dos acusados ou investigados e a colaboração de boa-fé destes em relação às investigações.
A ICVM 607 entrará em vigor em 01.09.2019, aplicando-se aos processos até então em curso perante a CVM, e resguardando-se, ainda, a validade dos atos praticados antes da sua vigência.
II. Mudanças promovidas pelas ICVM 608, 609 e Deliberação 819
• Revisões dos valores relacionados às multas ordinárias
Dentre as mudanças em relação ao regime de multas cominatórias vigente, a ICVM 608 revogou a Instrução CVM n.º 452, de 30 de abril de 2007 e, acompanhada das mudanças feitas pela ICVM 609 à diversas normas editadas pela CVM, fixou os valores aplicáveis às multas ordinárias e extraordinárias de acordo com as infrações e limites descritos nos Anexos 3 e 9 à ICVM 608, tendo, inclusive, revisto os valores diários aplicáveis a determinadas infrações previstas em normas específicas da CVM.
Nesse sentido, destacamos que CVM dobrou o valor diário até então aplicável à título de multas cominatórias ordinárias pela não entrega tempestiva das demonstrações financeiras de fundos de investimento, passando de R$ 500,00 (quinhentos reais) para R$ 1.000,00 (mil reais), mas mantendo-se a aplicação do valor diário pelo período máximo de 60 (sessenta) dias, contados desde a data em que for verificado o descumprimento daquela obrigação.
Ressalta-se que, no âmbito da ICVM 608, também foram estabelecidos os critérios que poderão ser levados em consideração para fixação das multas extraordinárias por meio de deliberações editadas pelo Colegiado da CVM, tais como a capacidade econômica do participante, a duração, os valores envolvidos na conduta irregular, bem como a colaboração da pessoa envolvida em conduta irregular na prestação de informações requeridas pela CVM, conforme dispostos no artigo 9º da referida norma.
• Implicações aos pedidos de registro de novos fundos de investimento
Visando otimizar a atividade sancionadora da CVM, o artigo 21 da ICVM 609 promoveu a inclusão dos artigos 7º-A e 7º-B no âmbito da Instrução CVM n.º 555, de 17 de dezembro de 2014 (“ICVM 555”), os quais preveem a possibilidade de indeferimento, pela CVM, do pedido de registro de novos fundos de investimentos cujos administradores fiduciários se encontrem em atraso na entrega de informações periódicas previstas na regulamentação aplicável há mais de 60 (sessenta) dias em relação a outros fundos de investimento por eles administrados, observadas as exceções previstas no artigo 7º-B.
• Outras disposições relevantes
Adicionalmente às inovações mencionadas acima, vale ressaltar, também, que a ICVM 608 alterou o procedimento de alerta da CVM sobre o prazo de entrega das informações periódicas, de modo que, até 15 de dezembro de cada ano, será divulgado na página da CVM a consolidação da relação de informações periódicas que deverão ser disponibilizadas pelos participantes no exercício seguinte, sendo, ainda, que a referida relação será mensalmente enviada pela CVM aos participantes, nos termos do artigo 3º da ICVM 608.
Vale destacar, por fim, que a Deliberação 819 alterou a Deliberação CVM n.º 463, de 25 de julho de 2003, no intuito de estabelecer de uma forma mais clara os casos em que o Colegiado apreciará os pedidos de reconsideração das decisões proferidas pelas Superintendências que envolvam alegações de existência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material ou de fato em tais decisões, conforme redação do item IX da Deliberação 819.
Tanto a ICVM 608 quanto a ICVM 609 entrarão em vigor a partir de 01.01.2020, sendo aplicáveis tão somente às prestações de informação periódica ou eventual cujo vencimento seja posterior à sua vigência, assim como ao cumprimento de ordens emitidas pela CVM após a referida data, ao passo que a Deliberação 819 entrou em vigor em 25.06.2019, i.e., data de sua publicação.
Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas e esclarecimentos específicos sobre tais informações deverão ser dirigidos diretamente ao nosso escritório.
Nossa equipe se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos, informações adicionais ou suporte na definição das regras e procedimentos para atendimento da nova legislação.
Asset Management & Private Equity
Contate-nos: assetmanagement@cepeda.law
[1]Vide item 2.22 do Relatório de Análise relativo à Audiência Pública SDM nº 02/18 (Processo CVM SEI nº 19957.006565/2017-86.
[2]Tal procedimento não se aplica a determinadas penalidades impostas com base nos arts. 60, inciso I e 61, incisos II, III e IV da ICVM 607 (vide art. 68 da ICVM 607).