Apesar das incertezas sobre a magnitude dos reflexos da pandemia na sociedade, já é certo os danos causados na economia em virtude do fechamento de comércio (atividades não essenciais), cancelamento de eventos, isolamento domiciliar, entre outros fatores gerados pela “quarentena”.
Os impactos econômicos serão imensos para uma boa parte das relações civis, comerciais e de consumo.
E diante dessa nova realidade econômica surgem questionamentos acerca da possibilidade de suspensão, rescisão e/ou revisão contratual. Tal possibilidade dependerá da análise de cada caso, devendo ser observado o que foi convencionado contratualmente como consequência para o inadimplemento das obrigações diante das circunstâncias imprevisíveis e inevitáveis, do reflexo no equilíbrio contratual e do grau do impacto sofrido pelas partes.
Juntamente com a análise contratual, será preciso avaliar qual a área do direito aplicável ao contrato, isto é, se o contrato se sujeita ao direito civil, direito do consumidor, direito do trabalho, direito administrativo, regulatório, internacional, dentre outros, e ainda se são regidos por leis gerais ou especiais (p ex. Lei do Inquilinato).
Cada modalidade de obrigação ou contrato pode gerar consequência diferente para as partes.
Como nunca houve no universo jurídico contemporâneo precedentes de uma pandemia dessa magnitude, é natural que existam incertezas em como proceder nas relações contratuais.
O primeiro ponto é que as partes devem observar o princípio da boa-fé, da colaboração e da solidariedade contratual, no sentido de tentar ao máximo a composição entre os contratantes, para não judicializar as relações contratuais.
Contudo, quando não for possível a composição, devemos nos ater a algumas normas e princípios aplicáveis para solucionar o tema.
Em casos específicos, o Poder Público poderá regular algumas obrigações contratuais, como a normatização da restituição das passagens aéreas em até 12 meses (art. 3° da MP 925/2020), bem como determinação de suspender o corte de serviço de energia elétrica residencial no Estado de São Paulo. Contudo, não podemos esperar que todas as relações contratuais sejam resolvidas por medidas provisórias ou ajustes governamentais.
Outro ponto relevante é que no contrato uma das partes pode ter assumido o risco de eventual caso fortuito ou força maior, conforme previsto no artigo 393 do Código Civil, o que impediria de invocar essa situação para descumprir ou modificar os termos do contrato.
Desta forma, o primeiro ponto é identificar qual a natureza do contrato e entender em que medida este contrato está inserido nas atividades econômicas que possam ter sido afetadas por atos governamentais, a saber: (i) se o contrato se inviabilizou por conta da atividade que foi interrompida por ato normativo (p. ex.: locação de lojas em shopping centers), (ii) se o contrato perdeu o interesse ou sofreu restrição decorrente de recomendações governamentais, ainda que a atividade esteja total ou parcialmente operacional (p. ex.: viagem de avião); ou (iii) se o contrato é decorrente de uma atividade essencial não interrompida (contrato de conta corrente, plano de saúde, seguro); ou (iv) contrato continuado (p. ex.: escola, provedor de internet).
Para cada situação apresentada, podemos ter soluções jurídicas diferentes no tocante a penalidade ou consequência decorrente da suspensão, rescisão ou revisão do contrato.
Sobre a suspensão dos contratos, entendemos que podem ser suspensos os contratos cuja finalidade não tenha propósito no momento ou que não possam ser cumpridos, mas que as partes tenham a intenção de retomar tão logo seja possível. A suspensão depende do ajuste das partes, uma vez que qualquer das partes pode optar pela rescisão contratual, seja pelo mesmo fundamento de força maior, seja por não concordar com as razões da suspensão do contrato.
Sobre a rescisão contratual, entendemos que os contratos afetados pela força maior podem ser rescindidos sem aplicação de multa, desde que não haja previsão expressa no contrato de que alguma das partes deve suportar as consequências do contrato mesmo na hipótese de força maior. A consequência de quem pleitear a rescisão contratual sem justo motivo é de suportar as penalidades previstas no contrato, bem como as perdas e danos decorrentes.
Sobre a revisão contratual, entendemos ser o ponto mais polêmico, uma vez que precisa ser reconhecida a manutenção do contrato, com a respectiva revisão de algumas de suas obrigações. A Lei não nos dá solução imediata, mas apresenta princípios que ajudam a solucionar o caso concreto:
• Onerosidade excessiva para uma das partes
• Teoria da imprevisão e a ocorrência de fatos supervenientes
• Quebra do equilíbrio contratual
Do ponto de vista da onerosidade excessiva, há possibilidade de encerramento ou revisão do valor das prestações contratuais, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (art. 478 e 479 CC).
No caso da teoria da imprevisão e do fato superveniente, o resultado que pode ser alcançado é, em princípio, a revisão dos valores e multas pré-ajustadas no contrato, com o objetivo de reestabelecer o equilíbrio econômico prejudicado pela pandemia (artigo 317 CC), bem como o juiz pode reduzir a multa que entenda ser muito onerosa (art. 413 CC).
E no tocante ao próprio equilíbrio contratual em conjunto com o princípio da boa-fé objetiva, deve ser verificado se as medidas tomadas pelas partes contratantes, frente ao novo cenário, podem ser consideradas razoáveis. Isso porque muitas vezes os contratos possuem longa duração e os valores e cláusulas são ajustadas sob o ponto de vista momentâneo.
Entretanto, não basta a existência da pandemia a permitir a suspensão, o encerramento de contratos e/ou a sua revisão sem penalidade ou consequência. Dependerá da análise da natureza do contrato, do real impacto das novas circunstâncias e da capacidade da parte cumprir as suas obrigações.
Tais preceitos podem de certa forma embasar a modificação ou encerramento do contrato, flexibilizando o chamado “pacta sunt servanda” (cumprimento de deveres contratuais entre as partes nos limites da Lei), mas não se trata de regra, quanto mais se analisado sob o aspecto da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) que prevê, entre outros fatores, o “princípio da intervenção mínima” e à “excepcionalidade da revisão contratual” (CC, artigo 421, parágrafo único), bem como a determinação de que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada” (CC, artigo 421-A, inciso III).
Em outros cenários de crise, a jurisprudência já reconheceu alguns eventos como fatos imprevisíveis, como quando ocorreu a desvalorização do Real frente ao Dólar (TJSP, nº 0187919-94.2007.8.26.0000), bem como durante a greve dos caminhoneiros em que, por exemplo, a companhia aérea foi exonerada de qualquer responsabilidade pelo cancelamento de voo, por falta de combustível (TSJP, nº 1083583-27.2018.8.26.0100).
Assim, diante do atual cenário, a possibilidade de suspensão, rescisão ou revisão contratual é possível, porém, dependerá de análise das circunstâncias de cada caso.
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Março/2020