No cenário em que as relações comerciais e econômicas continuam sendo gravemente afetadas em decorrência dos efeitos da pandemia ocasionada pela Covid-19, diante de situações de desequilíbrio econômico-financeiro, os contratantes buscam alternativas capazes de proporcionar a manutenção dos contratos avençados, mas sem onerar excessivamente uma das partes.
A Lei de Locações possibilita que os contratantes modifiquem ou a substituíam as cláusulas que disponham sobre reajuste do valor da locação em determinadas situações. Assim, se não houver acordo, é facultado tanto ao locador, quanto ao locatário o ajuizamento de ação revisional de aluguel, a fim de ajustar o valor da locação ao preço de mercado, sem contar o uso do caso fortuito como meio de revisar o contrato de locação.
Nestas circunstâncias, lojistas propuseram ações revisionais de aluguéis perante o Poder Judiciário de São Paulo[1], pedindo (i) o afastamento do pagamento de aluguel mínimo e do 13º aluguel; e (ii) a substituição dos índices de correção vigentes em seus contratos de locação. Nos dois casos, os locatários pleitearam a substituição do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPC-A).
As partes alegaram como fundamento: (i) operação dos shoppings em capacidade reduzida, com consequente perda de faturamento; (ii) exceção do contrato não cumprido, vez que não utilizam a loja de forma plena, conforme incialmente pactuado, pois além da redução do fluxo de pessoas, o horário de funcionamento também foi reduzido; e (iii) preservação das atividades, bem como do emprego de seus funcionários.
Note que, além do que foi mencionado, houve uma alta significativa do IGP-M (23,5%), em relação ao IPC-A (4,52%).
A diferença entre os dois índices é bastante evidente, de modo que a adoção de um em vez de outro pode ser determinante na manutenção ou rescisão de inúmeros contratos de locação.
Quando se alia uma alta excessiva do IGP-M (23,5%) e uma redução no fluxo de pessoas, horário de funcionamento e perda de faturamento, cria-se um cenário que propicia o desequilíbrio econômico-financeiro e onerosidade financeira para o locatário.
Porém, tais fatores devem ser observados em cada caso e não como regra geral, pois algumas lojas tiveram manutenção ou até aumento no seu faturamento.
Sensível à situação de lojistas possivelmente afetados pela crise, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu, em sede de Agravo de Instrumento, tutelas provisórias para substituir temporariamente a aplicação do IGP-M pelo IPC-A.
Em um dos casos[2], o Tribunal reconheceu como “notório que houve forte alta no IGP-M no ano de 2020”, bem como que a pandemia persiste, sendo “inegável os seus efeitos negativos junto ao comércio”. No outro[3], se decidiu pela concessão da tutela com fundamento no desequilíbrio das obrigações contratuais, decorrente da crise sanitária ocasionada pela Covid-19.
Contudo, haverá amplo debate na revisão de contratos, pois existem forças jurídicas contrapostas que devem ser levadas em conta na solução ao caso concreto: (i) previsão do “princípio da intervenção mínima e excepcional” nos negócios das partes estabelecido na Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019 – vide art. 2º, II); (ii) o aumento da inflação não pode ser considerado como fato imprevisível (instituído pela Lei nº 14.010/2020, vide art. 7º[4], cuja Lei foi criada especificamente para tratar as relações contratuais civis durante a Pandemia); (iii) o artigo 421-A do Código Civil, que presume serem paritários os contratos empresariais; e em sentido contrário (iv) o surgimento de um caso fortuito nunca experimentado pelas partes.
Assim, apesar de soluções provisórias, temos certeza de que o Poder Judiciário está longe de ter uma resposta definitiva e segura, sem antes passar por uma consolidação da jurisprudência, portanto, ainda deve demorar alguns anos, até que tenhamos maior previsibilidade sobre o que se esperar para a manutenção adequada e equilibrada desses contratos.
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CARLOS ALBERTO DE MELLO IGLESIAS
(55) (11) 2823-2850
FILIPE STARZYNSKI
[1] 1112273-95.2020.8.26.0100 e 1116333-14.2020.8.26.0100
[2] 2012910-93.2021.8.26.0000
[3] 2298701-80.2020.8.26.0000
[4] Art. 7º. Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário