Em março deste ano foi promulgada a Lei nº 14.130, instituindo um novo fundo de investimento: o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“Fiagro”).
Resultante do Projeto de Lei nº 5.191/2020, aprovado no começo de março pelo Congresso, o texto foi posteriormente sancionado pelo Presidente da República e publicado com o veto de dispositivos tributários relevantes, o que certamente traria impactos negativos para a utilização do Fiagro como instrumento de fomento para a agroindústria.
Felizmente, em sessão do início de junho, o Congresso apreciou e rejeitou os referidos vetos, permitindo que o Fiagro entre em vigor com a íntegra de sua sistemática regulatória e tributária.
Assim, o Fiagro apresenta-se como uma oportuna alternativa para fins de financiamento das cadeias produtivas agroindustriais, tendo como principais características aquelas abaixo indicadas:
- Pode ser constituído com prazo de duração determinado ou indeterminado, sob a forma de condomínio aberto ou fechado;
- Ampla gama de ativos passíveis de aquisição, permitindo diferentes composições da carteira do fundo, bem como diferentes estratégias de atuação vinculadas à agroindústria, relativas a financiamento privado, private equity e atividade imobiliária: o (i) imóveis rurais; (ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia agroindustrial; (iii) ativos financeiros, títulos de crédito e valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia agroindustrial; (iv) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive CRA e cotas de FIDC e de FIDC NP com parcela preponderante de seu patrimônio em referidos direitos creditórios; (v) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro em tais direitos creditórios, inclusive CRA e cotas de FIDC e de FIDC NP com parcela preponderante de seu patrimônio em referidos créditos; e/ou (vi) cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos ativos referidos acima;
- Pode realizar a alienação e/ou arrendamento de seus imóveis rurais, sendo que, no arrendamento, prevalecerão as condições livremente pactuadas entre as partes no contrato de arrendamento, ressalvado que, não havendo o pagamento dos valores devidos pelo arrendatário, eventual determinação judicial de desocupação deverá coincidir com o término da safra que esteja plantada na época do inadimplemento, quando aplicável, respeitado o prazo mínimo de seis meses e o máximo de um ano.
Idealizado para que sua estrutura fosse, em grande medida, semelhante àquela dos Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”), sua previsão foi inserida na Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, sendo-lhe aplicável os mesmos racionais regulatórios e tributários do FII previstos nos artigos 2º a 20, com algumas importantes exceções, como aquela prevista no parágrafo único do art. 101 e as definições trazidas nos arts. 17 e 182. Com isso, (i) o Fiagro não está obrigado a distribuir semestralmente 95% dos lucros auferidos e apurados segundo o regime de caixa, (ii) os rendimentos e ganhos de capital distribuídos pelo Fiagro estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte (IRF) à alíquota de 20%, e (iii) os rendimentos e ganhos de capital resultantes da alienação ou resgate das cotas do Fiagro estarão sujeitos à incidência do imposto de renda à alíquota de 20% (na fonte, quando de seu resgate, e de acordo com as normas aplicáveis aos ganhos de capital e ganhos líquidos auferidos em operações de renda variável, nos demais casos).
Além disso, o Fiagro não goza da restrição imposta pela Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que determina a aplicação da tributação prevista para as pessoas jurídicas para o FII que aplicar recursos em empreendimento imobiliário que tenha como incorporador, construtor ou sócio, cotista que possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada, mais de 25% das cotas do fundo.
Por fim, as disposições tributárias previstas para o Fiagro, as quais são relevantes para auxiliar em sua liquidez, na sua utilização de forma ampla para o fomento e promoção da agroindústria, e no acesso de investidores, em especial pessoas físicas, são as seguintes:
- À semelhança dos FII, isenção do IRF e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas para os rendimentos distribuídos pelo Fiagro cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, desde que tais fundos (i) possuam mínimo de 50 cotistas e (ii) não possuam cotista pessoa física que seja titular de 10% ou mais da totalidade das cotas do fundo, ou que lhe deem direito a 10% ou mais de rendimentos auferidos pelo fundo;
- Não-incidência do IRF sobre rendimentos e ganhos líquidos auferidos pela carteira do Fiagro em aplicações em Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, e Cédula de Produto Rural – CPR, com liquidação financeira; e
- Diferimento, para o momento da alienação ou resgate das cotas e na proporção da quantidade dessas cotas, do pagamento do imposto de renda sobre o ganho de capital verificado quando da integralização de cotas do Fiagro com imóveis rurais, por pessoa física ou jurídica.
A Lei nº 14.130/2021 produz efeitos desde a data de sua publicação (29/04/2021).
Por fim, não obstante não haver posicionamento oficial por parte da CVM, alguns superintendentes da autarquia, de maneira informal em eventos públicos, manifestaram suas opiniões no sentido de que a CVM não deve, neste primeiro momento e em decorrência da intensa agenda regulatória atual, propor norma específica para a constituição e funcionamento de tal veículo de investimento, podendo este ser estruturado com base na própria Lei nº 14.130 e com a utilização subsidiária das regras de outros fundos estruturados, a depender do tipo de Fiagro que se almeja constituir.
Este formato de atuação seria possível, tendo em vista o fato de o veículo apresentar uma natureza híbrida, na medida em que traz características de vários fundos estruturados ao mesmo tempo: (i) similaridade aos Fundos de Investimento em Participações (“FIP”), pela possibilidade de investimentos de natureza de private equity, podendo, assim, investir em sociedades limitadas e companhias fechadas da cadeia agroindustrial; (ii) similaridade aos FIIs, em decorrência da possibilidade de alocação em imóveis e empreendimentos imobiliários do setor do agronegócio; e (iii) similaridade aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”), pela possibilidade de investimento em direitos creditórios do agronegócio.
Nesse sentido, a CVM já estaria trabalhando intensamente de forma a viabilizar o registro de Fiagro, o que se dará provavelmente por meio da dispensa de requisitos das normas de fundos estruturados no âmbito dos respectivos processos de pedidos de registro. No entendimento de tais superintendentes, faz-se necessário e será oportuno um período de experimentação e evolução do tema, a partir da implementação de um regime transitório, para que, no futuro, a CVM possa realizar, em sede de audiência pública, proposta de norma específica e contundente para uma indústria mais amadurecida a respeito do produto.
Continuaremos acompanhando a matéria e a divulgação de manifestações específicas, tanto por parte da CVM quanto em relação a eventuais ajustes tributários decorrentes da proposta de reforma tributária apresentada pelo governo federal ao congresso, em 25 de junho de 2021.
Nossos profissionais de mercado de capitais e de tributário ficam à disposição para maiores esclarecimentos e para a análise de operações específicas.