Percepções sobre a nova regulamentação de FIAGRO: Fim do prazo para comentários ao edital de consulta pública sdm nº 03/23

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou o Edital de Consulta Pública SDM nº 03/23, apresentando a minuta proposta para regulamentação dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (FIAGRO) (“Minuta”). O documento estabelece regras específicas para os FIAGRO como uma categoria de fundo independente e convidou o mercado a participar e enviar comentários até ontem, 31 de janeiro de 2024.

O FIAGRO foi instituído pela Lei nº 14.130/21, por meio de alteração à Lei 8.668/93 (“Lei 8.668”), que regula os fundos de investimentos imobiliários (“FII”). No âmbito da regulamentação infralegal, o FIAGRO é atualmente regido pela Resolução CVM nº 39, de 13 de julho de 2021 (“Resolução CVM nº 39”), norma provisória e de caráter experimental, que viabilizou a constituição destes ativos utilizando-se as plataformas regulatórias existente para os FIIs, fundos de investimentos em direitos creditórios (“FIDC”), e fundos de investimento em participações (“FIP”).

Embora a Resolução CVM nº 39 tenha propiciado um rápido desenvolvimento do mercado e demonstrado um nível satisfatório de segurança jurídica, a norma vigente limita o FIAGRO a emular a carteira de outras classes de fundos já existentes – restringindo a sua composição a determinadas categorias de ativos.

Assim como o legislador, que optou por utilizar a Lei de FII como base para construção da norma de FIAGRO, a CVM seguiu na mesma direção na Minuta proposta, de forma que a estrutura, governança e negociabilidade das cotas em mercados organizados seriam, de certa forma, estendidas ao FIAGRO.

 

Carteira de Ativos dos FIAGRO

Conforme a Lei 8.668 e a Minuta proposta, a carteira do FIAGRO poderá investir nos seguintes ativos:

I – imóveis rurais;

II – participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva do agronegócio;

III – ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem a cadeia produtiva do agronegócio;

IV – direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos referidos direitos creditórios;

V – direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais, ativos financeiros emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem a cadeia produtiva do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios ou nos ativos financeiros emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem a cadeia produtiva do agronegócio, certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio líquido nos referidos direitos creditórios;

VI – créditos de carbono originados no âmbito de atividades das cadeias produtivas do agronegócio, desde que negociados em mercado regulado de carbono, seja o mercado compulsório ou voluntário; e

VII – cotas de outros fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos ativos referidos nos incisos acima.

Como tema estrutural de suma relevância, destacamos a política de investimento da classe do FIAGRO e a composição de sua carteira, uma vez que poderão, para uma mesma classe, ser adquiridos diferentes tipos de ativos. Nesse sentido, a Minuta afasta a obrigação de chancelar o FIAGRO como um FII, FIP ou FIDC e observar todas as regras específicas do fundo correspondente, como é a proposta atual da Resolução CVM 39.

Em contrapartida, a nova Minuta incluiu como gatilho para a aplicação “subsidiária” das regras específicas de outros Anexos Normativos da Resolução CVM 175 o volume de “1/3 (um terço) do patrimônio líquido da classe em ativos que constituem o objeto de investimento de outra(s) categoria(s), conforme disposto nos demais Anexos Normativos”, nos termos de seu Artigo 10.

Esta mecânica infere que, na prática, as regras específicas, restrições de concentração por tipo de ativo e por emissor de cada categoria de fundo não são aplicáveis ao FIAGRO “multi-estratégia”, cujo regulamento preveja limites de investimento inferiores a 1/3 do seu patrimônio líquido em uma determinada categoria de ativos, o que representa uma flexibilidade bastante importante. Neste caso, a minuta propõe aplicar somente a Parte Geral da Resolução CVM 175 e o Anexo Normativo VI, próprio de FIAGRO.

Entendemos que há alguns efeitos negativos da aplicação da regra do 1/3 (um terço) de patrimônio líquido em ativos de outras categorias de fundos de investimento. Uma mesma classe de FIAGRO poderia se sujeitar a até 3 (três) Anexos Normativos distintos ao mesmo tempo, além do Anexo do próprio FIAGRO e da Parte Geral da Resolução CVM 175, o que acabaria por gerar condições bastante complexas (ou até impraticáveis) para cumprimento das obrigações pelos regulados.

Fundamental também refletir sobre cada tipo de ativo investido pela classe do FIAGRO, tendo em vista que um mesmo ativo pode estar contido na carteira de fundos de diferentes categorias e devendo respeitar e atender a diferentes regras previstas em seus respectivos Anexos Normativos, como é o caso das debêntures e dos certificados de recebíveis imobiliários e/ou do agronegócio (CRI e CRA).

A dinâmica da aplicação subsidiária de outros normativos, inevitavelmente, acaba por gerar certa insegurança jurídica e aumenta o risco de arbitragem regulatória, tal como verificado ao longo do tempo inclusive pela própria aplicação subsidiária da Instrução CVM nº 555, de 17 de dezembro de 2014, aos fundos estruturados originais (FIP, FII e FIDC), o que se buscou evitar com a repaginação da regulamentação e publicação da Resolução CVM 175.

 

Dinâmica de Assembleias dos FIAGRO

Este impacto se mostra também relevante com relação às dinâmicas da assembleia de cotistas. A Minuta trouxe parcialmente regras que espelham as dinâmicas de FII, porém, com algumas inconsistências ou omissões, tais como prazo de convocação e quóruns de aprovação, que nos parecem importantes de serem aprimoradas.

 

Regime de Condomínio dos FIAGRO

Seguindo o chassi do FII, conforme colocado pela própria CVM, a Minuta parece considerar que os FIAGROs sejam constituídos apenas em regime de condomínio fechado, não obstante a Lei nº 14.130/21 prever a possibilidade tanto de condomínio aberto, quanto fechado, além do fato de que a estrutura do FIAGRO, a depender da composição da sua carteira, poderá se assemelhar aos FIDCs ou FIFs, os quais podem ser de condomínio aberto.

 

Regime Informacional dos FIAGRO

Com relação ao disclosure de informações, a CVM acertadamente propôs regime específico para o FIAGRO, independentemente da observância ou não dos Anexos Normativos de outras categorias de fundos. Colacionar todas as obrigações informacionais de outros fundos em uma só regra aplicável aos FIAGRO seria excessivamente custoso.

 

Regime Contábil dos FIAGRO

Bastante pertinente ponderar que divergimos acerca do proveito das normas contábeis emitidas pela CVM e aplicáveis às companhias abertas, conforme disposto no Art. 26, III, (a) da Minuta, por entender que tanto os FIAGRO deveriam ter regulamentação contábil específica que se preocupasse com todas suas particularidades, quanto porque antevemos uma inadequação do uso das mencionadas normas, já que são legalmente exigidas, dos diversos ativos investidos pelos FIAGRO, metodologias de contabilização que podem ser bastante distintas das aplicáveis aos ativos e investimentos das companhias abertas (ativos que demandem precificação a valor justo, por exemplo, e não pelo método da equivalência patrimonial).

 

Papel do Gestor de Recursos nos FIAGRO

A Minuta previu a figura do gestor de recursos como prestador de serviços essencial para o FIAGRO, com exceção dos casos em que a política de investimentos da classe não permita a aplicação de parcela superior a 5% (cinco por cento) do patrimônio líquido nos valores mobiliários passíveis de serem investidos pelo FIAGRO. Ou seja, foi aplicada lógica semelhante aos FII.

Não obstante as previsões da Lei 8.668, considerando, dentre outros fatores, (i) a notória evolução do mercado; (ii) a paridade do administrador fiduciário e do gestor de recursos, nos termos da Resolução CVM 175, (iii) as garantias de liberdade de contração inseridas no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica; (iv) a CVM (também pela Lei da Liberdade Econômica) ter sido reafirmada como responsável por regular os fundos de investimento, a Lei 8.668 tornou-se anacrônica, conforme reconhecido pela própria CVM.

É sob este pano de fundo que entendemos que a Minuta poderia ter tratado mais ampla e claramente sobre a essencialidade do gestor de recursos em todas as estruturas, inclusive ao FIAGRO, bem como a viabilidade legal de atribuição de capacidade de gestão todo o patrimônio das classes de investimento existentes, inclusive imóveis.

 

Investimento em Créditos de Carbono

Igualmente inovadora foi a proposta de integração do FIAGRO ao mercado de finanças sustentáveis, admitindo a aquisição de créditos de carbono originados no âmbito de atividades das cadeias produtivas do agronegócio, negociados em mercado regulado de carbono no Brasil, seja compulsório ou voluntário.

Este tema será objeto de informativo específico subsequente, que abordará o FIAGRO pela perspectiva das finanças sustentáveis.

Os pontos acima indicados são aqueles que destacamos após apresentação de nossos comentários à Minuta. Certamente, muitos outros pontos de atenção e desenvolvimento surgirão ao longo das discussões em âmbito de audiência pública.

Não obstante, consideramos importante destacar, desde já, o trabalho competente e minucioso realizado pela CVM na elaboração da Minuta que, em que pese existir pontos que dependerão de uma discussão mais aprofundada com o mercado (como é exatamente o objetivo do Edital de Audiência Pública), já representa um passo importante na construção da nova regulamentação de FIAGRO, produto que tem a promessa de rápido desenvolvimento e sucesso, inclusive para o varejo, assim como o FII.

Nossa equipe seguirá acompanhando a evolução das discussões a respeito do tema e encontra-se completamente à disposição para dirimir quaisquer dúvidas a respeito do tema.

 

Este informativo foi elaborado exclusivamente para nossos clientes e apresenta informações resumidas, não representando uma opinião legal. Dúvidas, esclarecimentos específicos ou assessoria individualizada sobre as questões acima deverão ser dirigidas diretamente ao nosso escritório.

 

Asset Management & Private Equity

Contate-nos: asset@cepeda.law